Cultura da criança

O olhar do fotógrafo pensa diferente, encontra ângulos onde menos se espera, mas dessa vez foi ele quem me mostrou a imagem. Estávamos em Utrecht, passeando pela cidade, quando meu marido apontou duas meninas sentadas no chão.

O celular captou a cena e fiquei aguardando o momento apropriado para escrever. As fotos são minha constante fonte de inspiração, mas nem sempre esta chega fácil, muitas vezes tenho que esperar por um insight. Visitando a exposição de Lydia Hortélio, na 45ª Ocupação Itaú Cultural, a história fluiu, começando por era uma vez duas meninas… sentadas no chão de uma das várias pontes sobre os rios da pequena cidade holandesa.

Alheias ao movimento das inúmeras bicicletas que por ali transitavam, sem contar as estacionadas ao longo da ponte – coisa de cidade que adota o transporte verde – as meninas representavam toda a inocência da idade, focadas unicamente em saborear o sorvete em um dia quente de primavera.

Finalizado o sorvete, mãos e bocas lambuzadas – marcas de quem aproveitou até a última gota aquela delícia refrescante – voltam ao conto de fadas e passam a brincar, correr, pular, rodar, saltar, equilibrar, contar, cantar, tocar, aprender, gritar, sorrir e imaginar.

Imaginam ser princesas de um reino encantado, numa cidade cheia de heranças medievais. Por todos os lados, carruagens estacionadas podem leva-las a qualquer parte, mas preferem andar e correr livremente, descobrindo esconderijos e passagens secretas por onde flui a imaginação.

Sobem em árvores, cavam a terra na busca do tesouro escondido, nadam nos rios, escondem-se em ruelas pouco iluminadas, brincam de roda, entoam canções, jogam pedrinhas para o ar e as apanham com agilidade.

Naquele mundo espontâneo e inocente, tudo é permitido, sobram experiências e liberdade. Relógios, tablets, celulares e compromissos não existem. A vida segue o curso do sol. No fim da luz, um banho para limpar as marcas das travessuras. Uma história bem contada alimenta os sonhos e a imaginação, enche a alma ao deitar!

Como diz Lydia Hortélio, a educadora e musicóloga baiana, “a cultura da criança é a cultura da alma. Os meninos têm a alma na frente. Depois é que ela vai pra dentro. Vai botando pano, papel, livro em cima”.

Cabe a nós, adultos, zelarmos para que os panos estejam limpos, os papeis cheios de histórias e os livros repletos de conhecimento. Só assim daremos às nossas crianças o futuro desejado, sem esquecermos nós mesmos das indispensáveis brincadeiras.


Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa)

O Guardador de Rebanhos

VIII – Num Meio-Dia de Fim de Primavera

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

KIDS UNITED – L’Oiseau Et l’Enfant (Clip officiel)

Acesse também: Brincadeiras de rua e Crianças à beira-mar.

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3 comments

  1. Marlene Macedo De Medeiros Gomes disse:

    Palone Design, é minha primeira nora, eu ví nascer todos os seus projetos, desde o início. Uma menina forte, batalhadora, persistente e muito alto astral. Sou fã de carteirinha, o seu sucesso é o meu, do meu filho e meu neto. Amores da minha vida.

  2. Tal qual as meninas da foto, fazes um texto tão inocente quanto às mesmas. Quê bom seria uma vida inteira assim, sem o egoísmo dos adultos. A vida seria mais leve…

    1. Como disse Lydia Hortélio, os panos, os papeis e os livros transformam as crianças nos adultos de hoje.

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