Aconchego

Moro em apartamento, mas tenho um jasmim na varanda, só para lembrar da casa de minha infância e adolescência, na Rua Abdon Nunes, onde a planta espalhava seu cheiro à noite pelo jardim. Pura memória olfativa!

Um casal de sanhaçu descobriu meu jasmim. Em determinada época do ano, vem ali fazer o seu ninho. De manhã, cedinho, eles começam a cantar. Como é próximo ao elevador, saímos em silêncio, para não perturbar o sossego do casal. À tardinha, a cantoria se repete, lembrando as ruas arborizadas e as fazendas na hora do entardecer.

Nós, humanos, também temos nossos ninhos. Aqui no Brasil, com os números alarmantes da violência, cada vez mais as pessoas recolhem-se a suas casas, migram para apartamentos, alteiam os muros, chegando até ao extremo de isolar-se da convivência social.

Mas se temos que ficar em casa, por que não a tornarmos mais aconchegante? Se a temperatura cai um pouquinho, vem logo uma vontade de deitar, assistir a um filme, ouvir uma musiquinha, ler um bom livro, ou quem sabe até usar aquela manta guardada, especialmente quando moramos numa cidade que é abraçada pelo sol – quase o ano inteiro – e chama de inverno uma temperatura mínima de 21º em curto período de tempo.

Se sua morada é em local que tem inverno de verdade, então ficar em casa vira quase uma necessidade. Nas minhas leituras, aprendi que o dinamarquês cultua o hygge. Termo utilizado para aconchego, bem-estar, conforto, contentamento. Como a palavra não tem uma tradução exata – tipo “saudade” em português – imagino que seja a hibernação dos ursos.

Nesses momentos, entra em cena a ambientação, o design e a arquitetura. Os dinamarqueses preparam suas casas para enfrentar o clima rigoroso. Sofás confortáveis, almofadas, mantas. Lâmpadas para iluminar os longos dias de inverno e velas espalhadas pelos cômodos, trazendo uma luz relaxante. Boa música e livros para serem devorados. Na Dinamarca, país em que o design é celebrado desde a década de 60, o acabamento e a qualidade dos móveis são muito valorizados, pois as peças de mobília passam de pai para filho.

No Brasil, a ambientação cresceu bastante de importância nos últimos anos. Todos querem deixar seus lares confortáveis, atualizados, utilizáveis. Faça como o sanhaçu, construa um ninho, não uma casa.

Acenda velinhas quando não precisar de tanta luz – se for aromatizada, melhor ainda. Experimente os novos difusores elétricos de aromas. Coloque uma planta dentro de casa. Ouça uma música suave, tire um tempo para leitura (ainda prefiro apalpar o livro, mesmo em tempo digitais), assista a um bom filme. Desconecte o celular. Crie seu cantinho especial.

Se a temperatura permitir ou exigir, agasalhe-se, quem sabe até com uma colcha de retalhos, lembrança da avó, histórias em pedaços. Roupa surrada também é sinal de conforto. Aqui em casa, todos usam velhas roupas descoloridas.

Quando a atmosfera estiver pronta para aguçar todos os sentidos, chame sua família ou amigos, sentem ao redor da mesa para um bate-papo, até mesmo para um cafezinho ou uma xícara de chá. Faça um jantar você mesmo e convide os amigos abraçados por uma taça de vinho. Tempere a atmosfera do seu ninho com ares de aconchego, conforto e segurança. Enfim, pratique o hygge no nosso clima tropical!


Manoel de Barros

Senhor, ajudai-nos a construir a nossa casa
Com janelas de aurora e árvores no quintal –
Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores
E ao crepúsculo fiquem cinzentas
como a roupa dos pescadores.

O que desejo é apenas uma casa.
Em verdade, Não é necessário que seja azul,
nem que tenha cortinas de rendas.
Em verdade, nem é necessário que tenha cortinas.
Quero apenas uma casa em uma rua sem nome.

Sem nome, porém honrada, Senhor.
Só não dispenso a árvore,
Porque é a mais bela coisa que
nos destes e a menos amarga.
Quero de minha janela sentir
os ventos pelos caminhos, e ver o sol
Dourando os cabelos negros
e os olhos de minha amada…

Carolina Muait | Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo | Manoel de Barros

Acesse também: Rituais cotidianos e Honestidade

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12 comments

  1. Só agora descobri essa preciosidade de, Blog? Será mesmo um blog ou uma revista virtual. Encantada estou!
    Parabéns!

    1. Oi Cinara! Sabe que eu nunca tinha encarado como revista, mas vc despertou para um lado positivo. O blog dá uma sensação de coisa rápida, passageira. A revista não, tem mais permanência. As crônicas são mesmo atemporais, para serem lidas a qualquer tempo. Navegue e compartilhe à vontade. Muito obrigada. Grande abraço.

  2. Como de costume, as resenhas são de importância para nosso cotidiano. Lar, lareira e aconchego são palavras de intensos e intricados significados.Eram os Deuses romanos Lares que protegiam as famílias em suas casas. Essa proteção era simbolizada pelo fogo. Para ele, o fogo, foi reservado um lugar especial na casa, a lareira. Mitologia à parte, cabe à cada de nós manter esse conceito e chama de segurança, aconchego e integração que nosso Lar deve ser sinônimo. Tenho, sem conhecimento da palavra, o praticado o hygge. Apesar da importância histórica de sermos nômades, a fixação da morada, da casa ou do lar, nos tornou um ser social.

    1. Hygge, muito bem sintetizado pelo sociólogo, antropólogo e médico, Dr. Carlos Aberto. E vamos praticá-lo.

  3. Amei Aconchego. Perfeito.
    Uma sintonia com o q sinto na minha casa-amiga.
    Parabéns, Elzinha, cada dia, é maior, a sua sensibilidade em palavras. “Fã de carteirinha”.

    1. Olá Jussara, pois é, nada melhor do que o aconchego da nossa casa, melhor ainda quando também compartilhamos com os amigos. Muito obrigada pelo carinho, beijos!

  4. Um cantinho aconchegante como o jasmim que serviu de morada para o casal de bom! 🥰

    1. Oi Eveline, procurando fazer o nosso cantinho cada vez mais aconchegante. Beijos!!!

  5. Lar, sempre é doce o nosso lar.!!!
    Sozinho ou com todo pacote (família/amigos).

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