Belo Monte – Petrópolis

Ponta do Morcego – Foto de João Galvão

A pesquisa histórica sempre surpreende por seus achados. Desta vez, através de uma publicação de José Moreira Brandão Castelo Branco no Diário de Natal, edição nº 02586, em 22 de junho de 1951. O texto relata a formação do bairro de Petrópolis, em Natal/RN, antes denominado Belo Monte, pela beleza dos morros que circundam a cidade.

Quem se interessar pela história de nossa cidade, não pode deixar de ler.


Belo Monte – Petrópolis

José Moreira Brandão Castelo Branco

No chão em que foi assentado a casa de Joaquim Manoel, em 1893 e no cimo mais proeminente da morraria, havia uns alicerces de pedra, que foram aproveitados pelo mesmo para a construção de taipa que aí ergueu.

Não se pode atinar com o autor desses alicerces. Os franceses, segundo um documento português, chegaram a erigir casas de pedra para armazenar pau-brasil, não sendo, porém, razoável que as fizessem no alto da colina. Os portugueses, como católicos e construtores do forte e da cidade, poderiam ter sido os lançadores desses fundamentos, mas, uma tia minha, Isabel, casada com João Olímpio de Oliveira Mendes, residente nesse tempo (1894-95), no local, sonhou por mais de uma vez com um senhor alto, forte, barbado, que ela acrescentava ser holandês, oferecendo-lhe ouro em barra e amoedado, enterrado numa profundidade de três vezes a altura dela Isabel, no ângulo mais alto da casa de Joaquim Manoel, lado Sul justamente abaixo do alicerce em que este havia erigido sua residência e pelo que se recusou a consentir na escavação indispensável à extração da mina.

Ainda quando criança, vi pedaços de tijolos e de longe, ao redor de nossa casa, tão resistentes aqueles, que, ao serem tocados ou fragmentados, retiniam como se fossem peças metálicas, demonstrando, assim, a existência de ótimos oleiros, que não tiveram imitadores nos que se lhes seguiram.

Durante o ataque dos holandeses ao forte do Reis Magos, houve no dia 9 de dezembro, uma escaramuça entre um destacamento dos invasores que foi socorrer o bardo do comandante Smieten, encalhado ao norte da “Ponta do Morcego” e portugueses e brasileiros, morrendo gente de ambas as facções. Nessa ponta ficou o referido comandante com vários marinheiros até a queda do forte no dia doze.

Meu pai, o referido Joaquim Manoel, por necessitar minha mãe de banhos de mar, trouxe a família da povoação de Utinga, no Potengi, lugar esse também já conhecido anteriormente a invasão flamenga, para o “Morcego”, em cuja extremidade norte da colina havia uma casita de taipa sem reboco, pertencente a José Gonçalves de Araújo, já falecido, casinhola em que ficamos e como meu pai se agradasse do lugar, resolveu construir uma outra mais confortável no mesmo ano, que era o de 1893, fixando-a no local mais elevado do morro, situado entre as avenidas Nilo Peçanha e Santos Reis; e onde se acha a recente construção do consulado norte-americano. A primitiva casa foi reformada mais de uma vez até ficar no casarão alpendrado, de três águas, vendido em 1911 ou 12 a Joaquim José Valentim de Almeida, que a transferiu ao comerciante Manoel Machado, este ao inglês J. Green que, por sua vez a cedeu ao governo norte-americano, ficando a viúva de Machado com a maior parte da antiga data, que compreendia o terreno abarcado pelas avenidas referidas, praça Pedro Velho até a praia. Não havia ruas, nem estradas. Simples veredas de pescadores comunicavam a cidade com o mar.

Predominavam nos cerros e adjacências as capoeiras, sendo mais alto e denso o mato que revestia as encostas leste e setentrional, realçando por toda a parte o pau-ferro e o cajueiro. Alguns frutos silvestres, como o caju, a Guabiraba, o camboim, a ubaia, o guagirú, a murta.

No cimo da parte norte, havia terrenos descalvados e uma faixa de barro arroxeado que se apresentava com sinais de escavação, no meio da areia parda dominante na estrutura da colina e da branca componente das dunas litorâneas. No caminho que transpunha o cômoro e ligava a cidade à praia, cuja direção era mais ou menos a da avenida Nilo Peçanha, no lugar em que a areia escura desaparecia e começava a alva, o capitão Felipe Bezerra Cavalcanti erigira, ao declinar do ano 1892 ou começo de 1893, uma casinha para se beneficiar dos banhos de mar, a primeira erguida na praia, vendida a Teófilo Brandão, por cem mil réis, e o qual para lá se mudou e residiu enquanto construía uma outra no alto, ao sul da Joaquim Manoel, cuja área, ia da avenida Santos Reis, transpunha a das Dunas e ia limitar-se com terras de João Olímpio de Oliveira Mendes, que se desdobravam mais ao sul, até as cercanias da praia de Areia-Preta, em cuja borda Venancio Santiago levantara uma casita que, seria a quarta, na cumiada do cerro aludido.

O trecho de Teófilo foi o mais desmembrado: Em 1894 ou 95 cedia ao major Claudio de Oliveira Cruz um chão, onde este ergueu ligeira construção, justamente na ladeira que conduz ao local, hoje, chamado “Praia do Meio”, naquele tempo “do Morcego”, vivenda esta mais tarde transferida ao Dr. Diogenes Nobrega; e, cerca de 1898, Teófilo edificava a casa que cedeu no ano seguinte ao comerciante Olimpio Tavares e este aos herdeiros de Antonio Ferreira Pinto, a margem austral da rua das Dunas.

Temos, assim, oito construções, seis no morro: José Tatú, perto de 1893; Joaquim Manoel e Teófilo, em 1893; Venancio Santiago, cerca de 1894; João Olimpio, em 1895, e Olimpio Tavares, em 1898; Felipe Bezerra, na praia, e Claudino Cruz, na encosta que dava para o mar, atualmente, soterradas pelas dunas tangidas pelos ventos do Sudeste.

Foram estas as pessoas que desbravaram o morro, abrindo estradas e construindo as primeiras casas as quais apesar de serem de taipa, resistiram mais de meio século.

João Olimpio não chegou a residir na casa que construiu, por ter sido, como funcionário de Fazenda Federal, transferido para o Rio Grande do Sul, tendo morado durante a construção, nas de Felipe Bezerra e de Joaquim Manoel.

As primeiras pessoas que nasceram no “Belo-Monte” foram Dinorá, filha de Teófilo Brandão, a 2 de dezembro de 1893, e Nanete, filha de Joaquim Manoel, a 13 de janeiro de 1894, sendo aquela minha esposa e segunda minha irmã.

A ação desses pioneiros deu lugar não só ao povoamento com moradias mais confortáveis, como a que o governo municipal lançasse a sua vista para essas bandas, rasgando avenidas e ruas, em menos de um decênio, não só na sua direção, como na planície que se estende até as faldas das eminencias que demoram do sul da cidade, no rumo dos antigos sítios Solidão e Senegal.

Foi nesse momento, já no século XX que… falecendo Jovino Barreto, senhor do extremo norte da colina, justamente, da porção que entestava com a de Joaquim Manoel, presentemente separadas pela avenida Nilo Peçanha, os seus herdeiros erigiram três edifícios, nos quais a alvenaria de tijolo era empregada pela primeira vez, sendo a do Sul do Dr. Alberto Maranhão, a do centro da viúva Jovino Barreto e a do Norte do seu filho Pio Barreto. Estávamos em 1902.

Alberto Maranhão vendeu a sua residência ao capitalista Aureliano de Medeiros após alguns anos e o último ao governo estadual que, em 1909, aí instalou o hospital “Jovino Barreto”, hoje, “Miguel Couto”, aproveitando o antigo prédio, ampliando-o e adaptando-o ao seu novo destino, desenvolvimento este que se tornou mais vultoso depois de 1927, quando o estabelecimento passou a ser dirigido pela Sociedade de Assistência Hospitalar que, na face virada para a avenida Nilo Peçanha, construiu um edifício de cimento armado de vários pavimentos.

D. Inez Barreto também transferiu a sua propriedade ao Estado, que a adaptou para servir de “Casa de Detenção”, instalada em 1911.

A de Pio Barreto, próximo ao local em que houve a casinhola de José Tatú, foi transformada num asilo para meninas desvalidas, atualmente, ocupado pela Penitenciária, que se alongou até lá.

As datas de terras de Joaquim Manoel e Teófilo Brandão estão, presentemente, delimitadas pela praça Pedro Velho, ruas Seridó e Dunas, avenidas Circular e Nilo Peçanha, subdivididas pelas ruas Santos Reis, Joaquim Manoel, Manoel Machado, Claudio Machado e avenida Getúlio Vargas, antiga Atlântica. A de João Olimpio, hoje propriedade da senhorita Alina Brandão, está ocupada por um bairro popular, cortado por vários logradouros públicos, que se estendem até a de Venancio Santiago.

Ponta do Morcego – Autoria da foto desconhecida
Praia de Areia Preta – Foto de João Galvão

Acesse também: Cidade marinha, Pedal histórico-cultural em Natal – Parte I, Pedal histórico-cultural em Natal- Parte II, Aero no memória.

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9 comments

  1. Outro excelente texto. Muitas dessas pessoas estiveram no casamento de Sofia Eugênia, filha de Pedro Velho. Até público a lista completa dos convidados no blog Jornal da,Grande Natal.

    1. Muito Obrigada! Resgatando a construção de nossa cidade Natal.

  2. Adorei Elzinha e me encontrei aí!Ai também encontrei meu marido Luís Kmentt quando ele subia a Ladeira do Sol,(circa 1959)ia para sua hospehospedagem no Hospital Miguel Couto onde os pilotos da Aerolineas Argentinas, da Europa ficavam de Lisboa/Dakar/Natal hospedados.Saudades destes tempos!!!eu adorava este mar , mas hospedarse num Hospital , que feio!

    1. Oi Tia! Hospedagem e hospital não combinam de forma alguma. Hj isso seria impossível. Beijos

  3. Parabéns pela matéria. Infelizmente, nós nordestinos, não temos a mesma dedicação em cuidar de preservar a nossa história, cultura e tradições, tal como os sulistas. Um belo resgate para nós tradicionalistas.

    1. É lamentável que tenhamos tão pouco respeito e dedicação a nossa história, mas vamos resgatando fatos e registros, para atiçar a curiosidade de alguns. E que esses alguns se transformem em muitos.

  4. Preciosos fatos q fizeram e fazem a nossa história. Afinal, tudo tem a sua história. Lembro do hoje hospital “Onofre Lopes” sendo local de hospedagem diante da carência de hotéis, pousadas e pensões!

  5. Carlos Alberto Almeida de Araújo disse:

    Belo resgate histórico com uma inestimável contextualização geo-política. Alí, no Belo Monte – ou Monte Petrópolis – foi o berço do nascimento da Casa de Onofre Lopes, como chamamos o hoje Hospital Universitário Onofre Lopes. A maior instituição de ensino da saúde no RN.

    1. Oi Cabeto!
      A história do hospital está no texto: “ Alberto Maranhão vendeu a sua residência ao capitalista Aureliano de Medeiros após alguns anos e o último ao governo estadual que, em 1909, aí instalou o hospital “Jovino Barreto”, hoje, “Miguel Couto”, aproveitando o antigo prédio, ampliando-o e adaptando-o ao seu novo destino”.

      Faltou falar que o edifício conviveu um tempo como hospital e hospedagem…

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