Carta ao ipê

Natal/RN, 30 de julho de 2022

Meu caro ipê,

Era para ser um final de semana comum. Quase ficávamos na cidade do sol (que nos últimos meses, mais parece cidade da chuva), mas a notícia de que o clima estaria bem frio para os padrões potiguares, nos fez optarmos pela serra.

Acordamos no sábado sem o barulho insistente do despertador – coisa rara de acontecer para ciclistas madrugadores.

Uma rápida passagem na casa do filho, para matar as saudades do neto, e ganhamos a estrada.

O destino tem vários caminhos, mas escolhemos a BR-206, porque tem gosto de infância, ainda mais no fim do mês de Santana.

Parece que o carro segue quase sem condutor, traçando o caminho tantas vezes percorrido em direção ao Seridó.

No meio do caminho tinha uma casa singela, dessas que passam despercebidas, se não fosse a beleza esplendorosa do seu ipê rosa.

Manobrei o carro de repente, dei meia-volta e parei para lhe contemplar.

Me dirigi à dona da casa, sentada solitária numa cadeira de balanço, no sombreado do alpendre, quase invisível. Contava as horas, enquanto observava o movimento de quem vai e vem pela estrada de rodagem.

Dei bom dia e perguntei (Benza a Deus) se podia fotografar sua bela árvore. Sem estampar sorriso no rosto, disse que sim.

Sem nem me abancar, puxei conversa, porque é assim que procede a contadora de histórias.

Em poucas palavras, uma linda história de amor.

D. Iolanda foi casada com S. Antonio. Foram cinquenta e seis anos de convivência. Ele partiu antes dela, mas deixou o ipê, plantado por suas mãos, zelando o seu amor.

Nesse ano de boas chuvas, o ipê Antonio resolveu se “amostrar”. Está carregado de flores, floriu bem antes da hora. Sua florada está perdurando, já vão mais de quinze dias.

Se essa árvore é símbolo nacional, aqui é símbolo do amor de Iolanda e Antonio; ou, quem sabe, o próprio Antonio.

Antes de partir para fotografá-lo, não pude deixar de matar minha curiosidade: ele foi um bom marido? Só assim vi o sorriso escancarado no rosto de D. Iolanda, traduzido nas flores esparramadas pelo chão.

Fica aqui o meu registro de agradecimento ao casal por nos ofertar tamanha beleza e transformar um fim de semana comum em um deslumbramento para o olhar.

Ipê Antonio, que nos anos vindouros venham muitas outras estações de flores!

Com afeto,

Maria Elza Bezerra Cirne, contadora de histórias.

P.S. Através das cartas, nos comunicávamos quando o ipê foi plantado. Seguem anexadas as fotografias, porque é assim que nos comunicamos no dia de hoje.



Leia também: Cerejeiras em flor no Japão, Desabrochar da primavera, Aconchego.

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