Efeito sanfona

O som da sanfona é extraído quando o ar que está no fole passa por pequenos tubos nos castelos que o direcionam até as palhetas, fazendo-as vibrar. Para espalhar música no ar, basta repetir o movimento de encher e esvaziar o fole, manuseando o teclado.

Da observação desse movimento, passando para a estética do corpo humano, os criativos inventaram o termo “efeito sanfona” para identificar o engordar e emagrecer de diversos regimes alimentares, todos na busca do corpo perfeito aos padrões de beleza vigentes.

Outro dia, passeando pelo meu Feed no Instagram, deparo-me com o anúncio de um jornal impresso de 1930 (meio de comunicação mais eficiente do início do século XX), com a seguinte mensagem: “Uma Mulher Magra Perde o Amor do Seu Esposo. Com as faces encovadas e pálidas – com um corpo fraco – sem energias – como póde esperar conservar o amor e a admiração do seu marido? Mas não se desespere. Em um mez, com o uso das Pastilhas McCoy (Macoy) de Oleo de Figado de Bacalhau, V. S. poderá reconstruir sua saúde – augmentar vários kilos de carne solida. – Sentir-se muito melhor, apparentando ter 10 annos menos, e então – ele sentir-se-á orgulhos de V. S.”.

O anúncio prometia o aumento do peso em apenas um mês. Naquela época, mulher bonita era mulher cheinha, com polegadas a mais, que a deixava curvilínea e boazuda aos olhos masculinos, mas que fez Martha Rocha perder o concurso de Miss Universo, ficando em segundo lugar e em primeiro na preferência nacional.

Os anos passaram e a mutabilidade do ser humano fez o padrão de beleza perder peso, chegando ao cúmulo do exagero, quando diversas modelos passaram por problemas sérios de anorexia, unicamente para atender à exigência do mercado. Mas como tudo demais é muito, foi preciso dar um freio nos distúrbios alimentares com os rigores da lei. A França, berço da alta costura, tornou lei a determinação às agências de modelos para que comprovem com atestado médico que suas modelos não estão desnutridas, levando em conta o índice de massa corporal (IMC).

Apenas a título de esclarecimento, para quem nunca precisou passar pelas mãos de endocrinologistas, nutricionistas ou nutrólogas na briga com a balança, IMC significa Índice de Massa Corporal, calculado pela divisão do peso da pessoa por sua altura ao quadrado. As diversas faixas do índice classificam o indivíduo em muito abaixo do peso, abaixo do peso, peso normal, acima do peso, obesidade I, obesidade II (severa) e obesidade III (mórbida).

Avançando quase um século à frente do anúncio de 1930, deparamo-nos com diversas contas do Instagram em que nutricionistas divulgam fórmulas milagrosas para emagrecer. Se formos comparar cada uma delas, ficaremos completamente malucas.

O termo regime está abolido. Melhor chamar reeducação alimentar. Alimentos que foram considerados vilões para alimentação, como o ovo, o abacate, a carne de porco, o café, o chocolate – apenas para citar alguns poucos –, hoje estão na moda e até com certos exageros. O ovo, que devia ser totalmente evitado, passou por um período de exclusão unicamente da gema e, agora, chega a ser consumido em até 10 ou 12 unidades por dia e por inteiro.

As frutas, essas preciosidades do clima tropical, também não são unanimidades. Para algumas nutricionistas, a banana deve ser excluída da dieta; para outras, pode ser consumida sim. Os adeptos da dieta low carb ou da proteína evitam o consumo de frutas. Em contrapartida, novos estudos científicos dizem que a exclusão do carboidrato da alimentação causa envelhecimento das células. Vá entender!

O campo da nutrição mais parece a declaração de amor de Vinícius de Moraes em Soneto da Fidelidade: Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure.

E nesse universo de verdades ou falsas verdades, a luz no fim do túnel aparece. Campanhas publicitárias estão encorajando o respeito à máxima de que não pode existir um único padrão de beleza. Os gordos, magros, altos e baixos devem buscar uma alimentação natural e ter hábitos saudáveis, na busca de saúde e equilíbrio para serem felizes.

Enquanto isso, sigo na batalha, sofrendo pressão de minha filha para que eu emagreça, sem respeitar o biótipo de minha herança portuguesa (baixinha e cheinha) e as consequências da redução dos hormônios. Torcendo para chegar o dia em que, como diz uma amiga, o saudável mesmo vai ser permanecer deitada na rede, lendo e comendo tudo que der vontade, sem preocupação com os rótulos e estereótipos estabelecidos pelo mercado.


Seu Jorge – The Blowers Daughter/ É isso Aí

Acesse também: Herança saborosa, Reinventando a cozinha e Comida, música e amor.

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4 comments

  1. Deveríamos valorizar o “efeito safona” no cérebro. Viver a vida sempre leve e com boas atitudes. Comer bem já é um privilégio.

    1. Você tem o privilégio de ter um marido chef e ainda dá sua mãozinha, rsrsrs.

  2. Ótima e oportuna crônica ! Com o meu biotipo de baixinha e gordinha, não tenho como seguir estereótipos! Torcer para ter herdado a genética de minha avó de Acari . Morreu lúcida com 104 anos. E seguir a minha máxima: levar a vida com leveza e procurar não me estressar . E fazer como minha mae falava: deixe a natureza obrar ! Beijos 😘😘

    1. O importante é saber viver e dar uma mãozinha para chegar aos 104. 😘😘😘

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