Entrevista com Jadson Andre

Jadson Andre – crédito da foto: WSL / SEAN ROWLAND

Cotidiano, música, viagens e fotografia são temas abordados aqui no blog. O surf é um esporte que reúne natureza, viagens e visuais incríveis. Atualmente, o Rio Grande do Norte vem se destacando no cenário mundial, com dois potiguares liderando o Championship Tour (WCT) e o Qualifying Series (WQS) da World Surf League, Ítalo Ferreira e Jadson Andre, respectivamente.

Jadson Andre começou sua carreira na praia de Ponta Negra, aqui em Natal. Está há dez anos no circuito mundial, é bastante querido pelos companheiros de surf e tirou um tempinho de sua curta temporada na cidade para um papo superbacana comigo, na companhia de meu irmão Tonico, um eterno apaixonado pelo esporte.

Elza Bezerra: No blog, tenho abordado o tema do cotidiano e a necessidade de o ser humano interagir mais com a natureza, como forma de aliviar o stress diário. Fale um pouco sobre a ligação do surfista com a natureza.

Jadson Andre: Eu estou praticamente o tempo inteiro conectado com a natureza. Para surfar, você tem que estar dentro do mar. A gente é água, o nosso corpo possui quase 70% de água. Quando entro no mar, me sinto mais vivo ainda. O surfista depende totalmente da natureza. Você pode ter o maior talento do mundo, pode ser o melhor competidor do mundo, mas se a natureza não quiser, você não vai descer, porque ela não vai mandar onda. Eu falo para todo mundo que o surfista é um ser abençoado por levar a vida fazendo o que mais ama junto à natureza.

Elza Bezerra: Na minha adolescência, o surf virou moda entre a turma, mas o surfista era encarado como um cara malandro, com aquele jeito particular de se vestir, andar e falar. Sou casada com um ex-surfista que virou ciclista, meu irmão mais velho foi surfista, meu irmão caçula ainda surfa e tenho um sobrinho com 14 anos que se dedica diariamente ao esporte. O que mudou no surf nos últimos 40 anos?

Jadson Andre: Eu comecei a surfar entre oito e nove anos de idade e foi uma loucura para isso acontecer. A única pessoa da minha família que surfava era meu tio, considerado o mais “louquinho”. Meu pai sempre foi apaixonado por futebol, a família inteira jogava futebol e eu tinha uma certa habilidade com a bola nos pés. Então todo mundo falava que eu ia ser jogador de futebol, seguindo meu pai que foi campeão de vários torneios na comunidade.

Quando comecei a surfar com meu tio, a briga foi grande em casa. Meu pai brigou com meu tio, dizendo que ele tinha destruído o meu futuro, porque eu só queria saber de surfar. Depois fui proibido de surfar, mas eu dava um jeito de fugir, pulando o muro da vila na madrugada para surfar. Enfim, realmente o surf tinha uma imagem negativa, por causa de algumas coisas que aconteciam antigamente.

Mas eu estou no circuito mundial há 10 anos e a forma como os atletas levam a vida como surfista profissional mudou completamente. Antes o cara acordava qualquer hora, surfava qualquer hora. Hoje, não. O atleta vai dormir às 8h da noite, acorda às 5h da manhã para fazer treino físico. O atleta tem psicólogo, preparador físico, coach mental. Hoje em dia, o surf nunca esteve tão profissional, tanto assim que vai para Olimpíada em 2020.

Elza Bezerra: O Brasil tem um contorno de costa de mais de 7.000km. Esse fator, com certeza, é um dos motivos para a prática do esporte. Na sua opinião, o que mais justifica a hegemonia do surf brasileiro na elite mundial, uma vez que, dentre os 32 primeiros atletas do ranking, 11 são brasileiros, incluídos os potiguares, você e Ítalo Ferreira?

Jadson Andre: Para falar a verdade, o surf no Brasil já vinha sendo desenhado para que a gente dominasse. Tem algumas entrevistas minhas em 2012 e 2013, até mesmo em 2011 na Califórnia, nas quais eles perguntaram o que eu achava da nova geração brasileira. E eu disse que no futuro muito próximo ela iria dominar o mundo. O Brasil sempre teve tradição no surf mundial, mas nunca bateu tão forte assim. Desde então, eu já enxergava o Felipe Toledo, o Gabriel Medina, o Ítalo; o Adriano de Souza já estava lá há algum tempo e cada vez ficando mais forte.

No primeiro ano, eu já cheguei ganhando etapa. Sempre tive uma visão muito boa do nosso esporte e tinha certeza que isso iria acontecer. E depois que o Gabriel entrou, o Ítalo e o Felipe, foi só uma questão de meses para o Brasil realmente dominar tudo.

Elza Bezerra: E o Rio Grande do Norte nesse cenário?

Jadson Andre: O Rio Grande do Norte sempre teve essa fama, essa hegemonia. Danilo Costa, Marcelo Nunes, Joca Júnior, Aldemir Kalunga que nos representou muito bem no circuito mundial, o Felipe Dantas que sempre foi um excelente surfista, o Emerson Marinho já venceu o Kelly Slater. Enfim, não sei o que é, deve ter algum segredo; aqui deve ser um lugar mágico.

Elza Bezerra: Você também já venceu o Kelly Slater, a lenda do surf mundial…

Jadson Andre: Algumas vezes, mas a primeira vez foi bem em especial, no Billabong Pro Santa Catarina em Imbituba.

Elza Bezerra: Sua história começa na praia de Ponta Negra, em Natal. Daqui você foi se aperfeiçoar no Guarujá, em São Paulo, depois percorreu o mundo. Fale um pouco dessa experiência de conhecer lugares paradisíacos em busca das ondas perfeitas.

Jadson Andre: Olha só, não é uma coisa clichê, mas na minha vida as coisas aconteceram muito naturalmente. Com doze anos, eu assinei um contrato com a Oakley. Eu tinha vários patrocinadores locais, mas tive que deixá-los por exigência da nova patrocinadora. Eu não queria, porque eu não tinha noção do quer era a Oakley. De repente, fui morar em São Paulo, comecei a ganhar campeonato e as coisas foram acontecendo.

Minha primeira viagem internacional foi para o Tahiti, eu tinha doze anos de idade. Para mim foi uma coisa normal, como se eu tivesse que viajar para um lugar qualquer. Só depois de “velho”, com 27, 28 anos, hoje em dia com 29 anos, eu comecei a perceber o tamanho dessa bênção que é poder viajar o mundo. Eu já dei mais de dez voltas ao mundo para fazer a coisa que eu realmente mais amo, então eu me sinto muito abençoado em fazer o que eu faço, da forma que faço. É muito gratificante, um privilégio. Estar nos lugares mais bonitos, fazendo o que gosto. Daqui a uma semana vou para o Havaí, no começo do ano vou para Austrália, só lugares muito bonitos. Enquanto muitas pessoas trabalham a vida inteira para poder ficar duas semanas em lugares como esses, a gente faz isso como trabalho, é muito bom!

Elza Bezerra: A profissionalização do surf e a interligação com outras práticas esportivas ou mesmo com a meditação, ioga e pilates têm incrementado a performance dos surfistas. De que forma isso interfere nas manobras?

Jadson Andre: Eu acho que isso faz parte da evolução do esporte e também dos atletas, que vêm sempre buscando melhorar. Hoje estamos em um nível que um pequeno detalhe é que vai fazer a diferença. Todo mundo tem um nível muito parecido, os 32 atletas do circuito mundial têm um nível muito próximo. Qualquer deles pode vencer uma etapa, a qualquer momento. Então está todo mundo sempre buscando aquele adzinho, aquela pequena vantagem em cima do outro, e isso vai ser achado no equilíbrio mental, na flexibilidade, na força e no poder de concentração. Como está todo mundo ciente disso, cada dia os atletas procuram melhorar, seja 1% a mais, para ter aquela pequena vantagem que faz a diferença.

Elza Bezerra: Se estiver errada, me corrija, mas considero que as duas manobras mais radicais do surf são o tubo e o aéreo, a depender das condições do mar. Descreva qual a sensação de cada uma delas e qual a sua preferida.

Jadson Andre: Realmente o tubo e o aéreo são as duas manobras mais difíceis do surf. Graças a Deus, são as minhas duas especialidades. Por mim, o circuito mundial seria pegar um tubo, sair e dar um aéreo. Eu não sei explicar como que é dar um aéreo, mas pegar um tubo é uma coisa mais próxima que você chega da natureza. Ficar ali dentro da onda, muitas vezes num negócio que só cabe você e ter aquela visão, principalmente no Tahiti, que tem as montanhas no final. É uma sensação que só o surfista realmente sabe. Tem até uma frase em inglês: “only a surfer knows the feeling” (Só o surfista sabe o sentimento).

Elza Bezerra: O ano de 2019 marcou seu retorno ao WCT e você está liderando o ranking do WQS. Quais os projetos para esse final de ano e para 2020?

Jadson Andre: Hoje o meu principal foco é ser campeão da tríplice coroa, que são as três últimas etapas do circuito mundial, sendo dois WQS (Haleiwa e Sunset Beach) e um WCT (Pipe Master). Então, o atleta que somar mais pontos nessas três etapas, torna-se campeão da tríplice coroa. É um dos maiores títulos do surf, algo que fica gravado na história do esporte. E todo surfista não só sonha em ser campeão do mundo, mas em como vencer a tríplice coroa. Se eu conseguir ser campeão da tríplice coroa, automaticamente vou ser campeão da WQS, então esse é o meu maior objetivo.

Embarco dia 06 de novembro para o Havaí. Mandei fazer 20 pranchas com Tokoro, um investimento altão, mas focado em trazer esse título. É o que todo mundo fala hoje no surf aqui no Estado. Eu liderando o WQS e o Ítalo o WCT. Nós temos grandes chances de fazer algo inédito pelo Estado, pelo esporte e pelo país: dois atletas com chances reais de serem campeões dos circuitos mundiais. Imagine isso acontecendo, Natal vai ter que parar, com direito a carro de Bombeiros e Esquadrilha da Fumaça, esperamos essa recepção da torcida.

Elza Bezerra: Qual a sua mensagem para a garotada que está começando no surf?

Jadson Andre: Eu sempre falo a mesma coisa: a minha teoria é fazer o que eu fiz. Eu sempre ouvi muito as pessoas, principalmente as pessoas que querem o meu bem. Sempre fiz as coisas corretas. Sempre ouvi o meu pai e a minha mãe. Quando você segue as coisas corretas, automaticamente acontece. Eu acredito muito em energia, acredito que o universo conspira a favor, abre os caminhos. Você deve correr atrás do seu sonho, ter força de vontade e disciplina, mas deve estar atento porque esse mundão é perigoso. E cuidado com as armadilhas do sucesso. Com respeito, você vai conseguir alcançar os seus objetivos.


Encerramos a entrevista, desejando sucesso ao atleta, torcendo para que seu objetivo seja alcançado e mandando toda aquela força e corrente positiva para que os potiguares Jadson Andre e Ítalo Ferreira tragam para casa os troféus de campeões do WQS e do WCT 2019.


Jadson Andre em Fernando de Noronha 2019 – Série ao Fundo.
Kasabian – Club Foot live at the O2 London

Acesse também: Surf, do pé na areia ao Outside; Surf nos anos 70; Ítalo Ferreira, deu Baía Formosa no Pipe Masters e no WCT; Tonico e Maya Gabeira, exemplos de Superação.

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2 comments

  1. Muito boa sua entrevista!! Valorizando a “prata da casa”. Além de diversificar seu blog,nos presenteia com os mais diversos assuntos.
    Parabéns mais uma vez.

    1. Muito obrigada amiga! É sempre bom diversificar e valorizar os nossos talentos. Sigo na torcida pelos dois potiguares nos circuitos do surf internacional.

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