Entrevista com Janaína Medeiros – Diretora do Geoparque Seridó

Em 1909, Felipe Guerra afirmava em “Secas contra a Seca”: As condições especiais da vida, dos costumes, do solo e da natureza desta parte sertaneja sujeita às secas, não têm sido devidamente apreciadas; não são conhecidas.

De lá para cá, muitos autores dedicaram-se a descrever essa região única do sertão norte-rio-grandense. Um lugar que tem o seu próprio viver, os seus cheiros, cores e ruídos, além da terra, das plantas, dos bichos e do bicho-homem de Oswaldo Lamartine.

Diz o ditado que água mole em pedra dura tanto bate até que fura, mas foram as águas escassas molhando as pedras em abundância no viver das pessoas de outrora e de hoje que tornaram o Seridó conhecido.

Em abril de 2022, o Seridó tornou-se reconhecido mundialmente pela UNESCO como Geoparque Mundial.

Para explicar melhor o que é um Geoparque Mundial, qual o impacto desse reconhecimento para a região, como funciona a Rede de Geoparques Mundiais para intercâmbio e cooperação, e quais os passos futuros, nada melhor do que entrevistar Janaína Medeiros, seridoense, turismóloga e Diretora Executiva do Consórcio Público Intermunicipal Geoparque Seridó, uma das principais responsáveis por essa conquista.

Equipe do Geoparque Seridó

Elza: A UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, agência especializada das ONU com sede em Paris – acaba de reconhecer o Geoparque Seridó e incluí-lo em sua Rede de Geoparques Mundiais. Explique o que é um Geoparque e sua importância.

Janaína: Geoparque é um território com patrimônio geológico de relevância internacional gerido de forma holística, com ações dedicadas a conservação, educação e o turismo. Podemos dizer ainda que é uma nova forma de gestão que promove o desenvolvimento territorial sustentável.

Elza: Atualmente, existem 177 Geoparques Mundiais da UNESCO em 46 países. No Brasil, são apenas 03. O que é necessário para se tornar um Geoparque e como foi sua luta para esse reconhecimento?

Janaína: Para um Geoparque ser reconhecido pela UNESCO é necessário que ele tenha quatro características fundamentais, que são (i) patrimônio geológico de relevância internacional; aliado a um forte e grande trabalho de (ii) visibilidade no território; associado a ações realizadas em parceria, mostrando um (iii) trabalho em rede; com tudo isso sendo executado por uma equipe ligada a uma estrutura de governância estabelecida, mostrando uma (iv) gestão organizada. No Seridó Geoparque Mundial da UNESCO tudo isso foi sendo trabalhado ao longo dos últimos 12 anos, sem pressa de se tornar um geoparque mundial, mas com a vontade de promover o desenvolvimento e trazer benefícios socioeconômicos à população. Porém quando percebemos que estávamos no caminho certo, submetemos nossa candidatura e o resultado foi esse, hoje somos um Geoparque Mundial da UNESCO.

Elza: De que maneira se dá o envolvimento do bicho-homem com o Geoparque e qual a conexão com o patrimônio natural e cultural da área?

Janaína: As pessoas do local se envolvem em todos os aspectos, principalmente aqueles intimamente ligados ao território em que vivem.

Elza: Sobre os limites geográficos do seu Sertão, Oswaldo Lamartine de Faria falava sobre o bem-querer, quando descambava na Serra do Doutor – Riacho do Maxixe – e esbarrava nas barrancas do Piranhas. Em relação ao Geoparque Seridó, quais os limites geográficos e municípios abrangidos?

Janaína: O Seridó Geoparque Mundial da UNESCO é formado pelos limites administrativos de seis municípios, são eles: Acari, Carnaúba dos Dantas, Cerro Corá, Currais Novos, Lagoa Nova e Parelhas, compondo cerca de 2.800 km2 e com uma população estimada de 120.000 pessoas.

Elza: Qual o papel das partes interessadas, autoridades locais e regionais em relação às atividades do Geoparque e o impacto esperado para a região?

Janaína: Todos que estão no território do Seridó Geoparque Mundial da UNESCO têm um papel ligado ao desenvolvimento das diferentes ações. Hoje, por exemplos, atores como guias/condutores de turismo, artesãos, proprietários de pousadas/hotéis, além dos gestores ligados aos seis municípios, mas também ao Estado do RN avançam em conjunto na promoção de um turismo responsável e sustentável, favorecendo o desenvolvimento socioeconômico desses diferentes atores. Isso impacta positivamente no território e permite com que todos passem a ter uma visão de pertencimento junto a sua região.

Elza: E a UNESCO, como participa desse processo e o que é necessário para manter um Geoparque dentro dessa Rede de Geoparques Mundiais?

Janaína: a UNESCO, além de chancelar o território enquanto Geoparque Mundial junto ao Programa Internacional de Geociências e Geoparques, contribui fortemente para a visibilidade do território, auxiliando na internacionalização das ações desenvolvidas na região. Contudo para se manter nessa seleta lista de Geoparques Mundiais, um Geoparque tem que ao logo de cada quatro anos mostrar que sempre está inovando e trazendo ações para a promoção do desenvolvimento territorial sustentável. Esse é o período que ocorre a revalidação da chancela concedida pela UNESCO. Por isso a importância de sempre a equipe de gestão estar atuando em áreas como conservação, educação e turismo, pois a cada quatro anos é necessário passar pelo processo de revalidação.

Elza: O reconhecimento do Seridó Geoparque Mundial pela UNESCO é a concretização de um sonho. Agora, quais os projetos para o futuro?

Janaína: é trabalho, trabalho e trabalho. Com a chancela da UNESCO a responsabilidade aumenta. E além de continuarmos com os projetos já existentes, a equipe toda está engajada em buscar mais ações e projetos para o nosso território. Assim, estamos iniciando uma nova fase e, dessa forma, iremos trabalhar todos os dias em prol do desenvolvimento da nossa comunidade.

Elza: Enquanto não inventam o raio X da alma, você consegue traduzir em palavras o sentimento que nutre por essa terra?

Janaína: Amor e gratidão. Sou muito grata a todo esse povo aqui do nosso território por ter abraçado o Geoparque Seridó desde o início, sem eles não teria sido possível chegarmos onde estamos. Como também, a toda equipe do Geoparque Seridó (Professor Marcos Nascimento, Matheus Lisboa e Silas Costa).

* Fotos cedidas por Janaína Medeiros.

Mapa do Geoparque Seridó

Vídeo Documentário Geoparque Seridó

Para acessar o Instagram do Geoparque Seridó, clique aqui: @geoparque_serido

Para acessar o site do Geoparque Seridó, clique aqui: www.geoparque.com.br


Acesse também: Entrevista com Azol, Entrevista com Lins Arquitetos Associados e Entrevista com Mocó.

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2 comments

  1. Vamos reconhecer a luta dessa senhora pela fundação do Geoparque Seridó. Mas, o que uma “Turismóloga” tem para alimentar um geoparque além de atrair turistas para o local?

    1. Segundo a UNESCO, os Geoparques Globais dão às pessoas locais um sentimento de orgulho em sua região e fortalecem sua identificação com a área. A criação de empreendimentos locais inovadores, novos empregos e cursos de formação de alta qualidade são estimulados à medida que novas fontes de receita são geradas através do geoturismo, enquanto os recursos geológicos da área são protegidos.

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