Entrevista com Julia Krantz

Folheando uma revista de decoração, me deparei com a poltrona Suave. Foi amor à primeira vista. Aquele móvel robusto, de contornos delicados, terminou fazendo parte do aconchego de minha casa.

Não conhecia o trabalho de quem produziu aquela peça de design; não a toquei, não sentei, mas apostei na sua qualidade. Isso foi há mais de 11 anos e ela continua a impressionar.

Poltrona Suave

De lá para cá, tenho acompanhado o trabalho da marceneira, artesã, designer de móveis orgânicos, escultora e arquiteta paulista Julia Krantz.

Hoje tenho a honra de entrevistá-la para o blog. Vamos conhecer um pouco dessa artista que coloca literalmente a mão na madeira.

Julia Krantz

Elza Bezerra – Frank Lloyd Wright – arquiteto, escritor e educador americano – tem a seguinte frase: “Estude a natureza, ame a natureza, fique perto da natureza. Ela nunca irá falhar com você”. Cristina Ramalho escreveu sobre seu trabalho e afirmou que “sua alma é da floresta”. Quem é Julia Krantz?

Julia Krantz: Ouvindo recentemente uma entrevista com Ailton Krenak no programa Roda Viva me dei conta dessa separação que insistimos em manifestar entre nós e a natureza. Somos a própria natureza, somos parte dela, e se compreendemos isso com nossas almas como os povos ameríndios sempre fizeram, naturalmente passamos a cuidar com mais carinho do nosso entorno, a ter mais afeto por nossos companheiros animais e vegetais. Ficar perto da natureza nos transporta para o que somos em essência, nos traz de volta ao que realmente vale a pena neste mundo. Meu caminho individual persegue esse ideal, de integração maior com esse mundo que vale a pena.

Elza Bezerra – Sua técnica reúne folhas de madeiras laminadas que vão ganhando forma em suas mãos. Explique para nós a sua paixão pela madeira e o seu processo criativo.

Julia Krantz: A madeira é, no meu ponto de vista, a matéria prima mais diversificada em tons, texturas, cheiros, densidade, se configurando em prato cheio para o ímpeto criativo. A madeira é um dos poucos materiais naturais que a natureza nos concede e que se bem manejada é absolutamente renovável e sustentável. A degradação das florestas se dá pelo manuseio criminoso e ganancioso do ser humano regido pelo mercado, pelo lucro imediato.

Meu processo criativo é a tradução ou compilação de tudo o que vivo e absorvo em viagens, vivências, experiências sensoriais, exposições de outros artistas, conversas com pessoas, emoções tristes ou alegres, tudo acaba por se manifestar de alguma forma em uma nova peça, em um novo desenho.  

Elza Bezerra – Certa vez, Manoel de Barros – o poeta caramujo flor – disse que para produzir, ele ficava oco, vazio, durante uns cinco meses. Depois que o vazio desaparecia, a imaginação borbulhava. Para você, de onde surge a inspiração?

Julia Krantz: Não tenho uma fórmula ou medida. Pode vir de um mergulho no mar, ou de uma cena de filme, de uma palavra lida ou ouvida, ou de uma tristeza profunda. Às vezes fico anos remoendo uma ideia, em outras ocasiões a nova obra quase brota sozinha das minhas mãos.

MOsquelha

Elza Bezerra – No site do Ateliê Julia Krantz, suas peças estão classificadas em: “para ver/usar”, “para sentar/descansar”, “para comer/trabalhar”, “para apoiar/guardar”. Como é transitar entre o design e a funcionalidade de suas peças?

Julia Krantz: Talvez pela minha formação de arquiteta e pelo cuidado exótico com que minha mãe decorava as casas onde vivi, gosto de produzir peças que possam servir a algum tipo de tarefa. Mas o desenho que sai de mim é sempre complexo, sinuoso, pouco pragmático de certa maneira. Então acabo produzindo algo que não é absolutamente funcional ou absolutamente arte, mas uma mistura simpática dos dois.

Mesa Raiz

Elza Bezerra – A marcenaria é, tradicionalmente, uma profissão masculina, porém, você transita muito bem nesse universo. Que vantagens e desvantagens tem a mulher marceneira no exercício dessa atividade?

Julia Krantz: Não vejo enormes diferenças, claro que em geral os homens têm maior força física, mas isso deixa de ser um problema para a pessoa que se adequa ao manuseio dos materiais e ferramentas e os usa em seu benefício. A tradição masculina dos homens nesse tipo de ofício é, para mim, mais uma questão cultural, que em vários setores impediu as mulheres de participar por muitos anos.

Elza Bezerra – Na Dinamarca, país em que o design é celebrado desde a década de 60, o acabamento e a qualidade dos móveis são muito valorizados, pois as peças de mobília passam de pai para filho. Suas peças têm essa mesma filosofia?

Julia Krantz: Assim como a matéria prima leva muitos anos para ser produzida na natureza, temos o dever de, ao usá-la em nosso benefício, devolver ao mundo essa condição de durabilidade. Tento agir assim em meu trabalho, procurando produzir peças duráveis e atemporais.

Poltorna Spinne
Cadeira Gil

Elza Bezerra – Além do ofício com a madeira, soube que você tem como hobby fazer gravuras. Poderia apresentar esse trabalho aos meus leitores?

Julia Krantz: A gravura se insere na minha pesquisa pessoal com o desenho puro, que acaba também se transpondo muitas vezes para as peças de madeira. Aprendi as técnicas e a história da gravura com o Professor Evandro Carlos Jardim, exímio gravador que dá aulas no Sesc Pompéia aqui em São Paulo. Ainda não comercializo as gravuras, mas penso em breve em fazer um portfólio e divulgar essas obras também.


O blog tem o privilégio de mostrar aos leitores algumas das belas gravuras da artista plástica Julia Krantz:

Gravuras de Julia Krantz

Confira o trabalho de Julia Krantz no site: www.juliakrantz.com.br


Acesse também: Entrevista com Lins Arquitetos Associados, Entrevista com Felipe Bezerra, Entrevista com Gracita Lopes, Entrevista com Flávio Freitas, Entrevista com Mocó.

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