Mestre Espedito Seleiro

Foto capturada no site www.badalo.com.br/

Euclides da Cunha – Os Sertões

O Vaqueiro

“O seu aspecto recorda, vagamente, à primeira vista, o de guerreiro antigo exausto da refrega. As vestes são uma armadura. Envolto no gibão de couro curtido, de bode ou de vaqueta; apertado no colete também de couro; calçando as perneiras, de couro curtido ainda, muito justas, cosidas às pernas e subindo até as virilhas, articuladas em joelheiras de sola; e resguardados os pés e as mãos pelas luvas e guarda-pés de pele de veado — é como a forma grosseira de um campeador medieval desgarrado em nosso tempo.

Esta armadura, porém, de um vermelho pardo, como se fosse de bronze flexível, não tem cintilações, não rebrilha ferida pelo sol. É fosca e poenta. Envolve ao combatente de uma batalha sem vitórias…”

Espedito Seleiro – foto capturada no site www.gazetadocariri.com/

Lá pras bandas da região do Cariri cearense, na cidade de Nova Olinda, fez morada um menino que acompanhou atentamente o ofício do pai na tradição familiar.

Cresceu entre sovela, máquina de costura, faca amolada e couro curtido. Ajudando aqui e acolá, aprendeu direitinho o riscado e virou Mestre do couro.

No seu ofício, Espedito Veloso de Carvalho fabricava a armadura do vaqueiro nordestino. “A tralha completa” em suas palavras: gibão, luvas, perneiras, guarda-peito, colete e bornal. E como não existe vaqueiro sem montaria, a sela e os arreios eram costurados com o mesmo esmero. Virou Espedito Seleiro.

Gibão de Espedito Seleiro | Foto capturada no site www.diariodonordeste.verdesmares.com.br
Sela de Espedito Seleiro | Foto capturada no site www.casavogue.globo.com

Na sua lembrança, os ciganos também eram figuras marcantes. Marcaram tanto, tanto, que fizeram brotar no artesão habilidoso os desenhos e cores da cultura gitana, fazendo jus ao ditado “mais enfeitado do que burro de cigano”.

Mas os vaqueiros e ciganos foram rareando no campo. Exausto da refrega e peleja infrutíferas, o Mestre sacudiu a poeira e resolveu dar uma guinada. Botou para fora tudo aquilo que sai de dentro do coração, expeliu o entalo de habilidades, histórias e visões incorporadas.

Resgatou uns desenhos antigos de seu pai, quando este atendeu a uma encomenda de Lampião, para fazer uma sandália de solado quadrado que não deixasse rastro.

O artesão habilidoso tratou, tingiu, cortou, modelou e costurou o couro curtido. Não se desgarrou dos ares medievais; ao contrário, deu aos desenhos arabescos um toque de modernidade e autenticidade.

Fez acompanhar o vermelho pardo de novas cores, largou a fosca e poenta para fazer cintilar o couro milenar. As sandálias Lampião e Maria Bonita deixaram rastro e sua fama ganhou o mundo da moda. O Mestre artesão virou também designer.

À armadura do vaqueiro, juntaram-se bolsas, sandálias, sapatos, mochilas, coletes e roupas que rebrilham nas marcas parceiras.

Não restrito às vestimentas, enveredou para objetos de casa. Fabrica móveis com a mesma maestria, em 2015 fez parceria até com os Irmãos Campana.

Cadeira Espedito Seleiro | Irmãos Campana – foto capturada no site www.gazetadopovo.com.br

Seus móveis foram parar no estrangeiro, mas esse cearense mantém a simplicidade como marca maior. Fez o seu tempo acontecer, combateu e saiu vitorioso. Mantém as raízes incorporadas nas suas obras-primas.

Feliz daquele que tem um pedaço da história de Mestre Espedito Seleiro.


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