Mont Ventoux

Parte I

Em tempos de competição de ciclismo, meu marido assiste aos Tours da França, Espanha, Itália e Suíça pela televisão. Para mim, basta uma passadinha rápida pelos cenários incrivelmente belos das paisagens naturais ou dos monumentos que são mostrados nos percursos.

Numa viagem à França, surgiu a oportunidade de conhecermos o Mont Ventoux, uma das etapas mais difíceis do Tour de France. Subimos de carro, deslumbrados com a altura do monte, o número de ciclistas que encaram o desafio e a vibração de quem chega lá reverberando pelos poros.

No percurso, testemunhamos um ciclista desconhecido que sucumbiu ao esforço do coração, morrendo no meio do caminho. Só descobrimos o motivo da ambulância na estrada desviando os passantes, ao chegarmos ao topo do monte. Um brasileiro, que também enfrentara o desafio, nos relatou o triste e lamentável ocorrido.

Conhecendo meu marido, logo percebi a sua intenção de também encarar os 1.912m de altitude na próxima visita. Combinou com o irmão que subiriam juntos.

O ano de 2019 foi de preparativos e treinos nas pequenas ladeiras de nossa cidade e serras do Estado que, nem de longe, aproximam-se da altitude do monte. Treino acumulando inclinações. Antecipadamente, entramos em contato com uma locadora de bicicleta em Bédoin e reservamos uma VTT para Henrique e uma bike elétrica para George, seu irmão.

Hora de arrumar a mala. Capacete, sapatilhas, bretelle, luvas, GPS e caramanhola na bagagem. Na cabeça dele, imagino, a expectativa era grande. Em junho, viajamos com a família e o roteiro incluía uma parada na Provence. Saint-Rémy-de-Provence foi a cidade escolhida para estadia. De lá para Bédoin são aproximadamente 60km em uma hora de carro.

No dia marcado, acordamos cedo, tomamos um café da manhã reforçado e partimos para Bédoin, cidade ao pé do Mont Ventoux, totalmente voltada para o ciclismo. No trajeto, leitura de depoimentos de ciclistas que subiram o monte e a descoberta que o trajeto partindo de Bédoin é o mais difícil. Uma informação a mais para incrementar o desafio.

Eu e minha cunhada Micaela no carro de “apoio”, mais para cinegrafistas e fotógrafas. Mas, como diz o ditado, “cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém”, ela – que é médica – estava de prontidão para o caso de uma urgência ou emergência.

Na locadora, as bikes já estavam separadas. Rápidos ajustes, instruções de como utilizar a bicicleta elétrica, caramanholas abastecidas, sachês de mel nos bolsos. Informação de que o percurso no asfalto era mais “fácil” do que em trilha (média de duas a duas horas e meia de duração), temperatura de 24 graus e partiu Mont Ventoux na D-974.

Sim, se as condições climáticas estiverem boas, a D-974 fica aberta e o carro chega até o topo também. Basta dirigir com cuidado e respeitar a preferência dos ciclistas, é claro.

Parte II

A partida ocorreu na esquina próxima à Bédoin Location. A placa indicava a estrada D-974, Mont Ventoux a 22km, sendo a parte mais dura o percurso de 1km a 23% de inclinação – Gigante da Provence. No mesmo local, uma placa em memória do ciclista britânico Tom Simpson.

Henrique seguiu na bike alugada, sem nem bem ajustar a altura do selim, tamanha era a ansiedade para iniciar o desafio. George seguiu junto, familiarizando-se com a bicicleta elétrica, que representava uma ajuda indispensável para chegar ao topo. Nós, as mulheres, partimos em seguida, devagarzinho, procurando seguir os ciclistas.

Melhor ultrapassá-los e aguardá-los nos diversos espaços adequados para parada na estrada. Descíamos do carro para fazermos as fotos e filmagens, enquanto eles seguiam firmes e juntos no começo da subida. Aos poucos a vegetação foi mudando. Fiz minha primeira indagação aos ciclistas: querem parar para descansar? A negativa foi imediata. Mais adiante, perguntei como Henrique estava e ele respondeu que estava cansado.

Os pinheiros da floresta surgiram e os irmãos começaram a se distanciar. George contava com assistência, mas começava a se preocupar porque a bateria era consumida na proporção da dificuldade da subida. Nossas paradas começaram a ser mais demoradas, porque George passava e Henrique ficava para trás.

Começamos a memorizar as cores das roupas dos demais ciclistas para servir como referência. Mais adiante, Henrique pediu que acelerássemos porque George já poderia estar chegando no topo e perderíamos o registro de tamanha façanha.

Deixamos Henrique e seguimos diretamente para o topo. Na estrada, somente subidas, sem partes planas. A vegetação começou a rarear e depois desapareceu completamente. A partir do Chalet Reynard – saída para grupos que optam por ascender ao Mont Ventoux – uma superfície quase lunar domina os últimos 6km até o topo.

Dirijo devagar e com cuidado, pois o número de ciclistas aumenta muito a partir daquele ponto e ainda têm os carros com cinegrafistas e fotógrafos os acompanhando. À medida que me aproximo do topo, aumenta minha preocupação com Henrique, pois ao me desgarrar ele já estava bem cansado e os últimos quilômetros são os mais difíceis.

Passo pelo memorial em homenagem ao ciclista britânico Tom Simpson, morto ali mesmo, em 13 de julho de 1967, na 13ª etapa do Tour de France, depois de passar mal na prova. As informações só aumentavam meu temor.

Ultrapassamos George e ficamos aguardando sua chegada. Próxima parada: o topo do Mont Ventoux, a 1.909m de altitude. Ele chegou cansado, mas inteiro, após 1h:45min de subida. Passei a aguardar, com ansiedade e temor, pela chegada de Henrique.

Subida do Mont Ventoux

Até estranhei minha reação. Normalmente, sou positiva e não me considero insegura, mas a quantidade de ciclistas com fisionomias exaustas aumentou minha preocupação, sem contar as mortes do percurso. Descubro que o grupo organizado que chegava em etapas era da Holanda, pouco acostumados a subidas.

De repente, vejo uma ciclista que andava mais ou menos emparelhada com Henrique. Fico aliviada, porque ele deveria estar próximo. Avistar o capacete verde limão e a camisa listrada de azul, preto e vermelho, foi um verdadeiro alívio. Ele chegou cansado, exausto para ser mais exata, com uma perna quase sem dobrar por causa da posição do selim.

Foto por Photoventoux.com

Foi a primeira vez que o vi rejeitar minha ini(a)miga, a bicicleta. Disse que não faria tão cedo nova pedalada. A subida foi dura, bem mais difícil do que imaginara, mas valeu a pena para quem vive de se auto desafiar.

Lá de cima, uma visão tão infinita, quanto finita é a sensação de quem chega ao topo, de bicicleta ou a pé. Vitória alcançada. Riso e choro que se misturam entre os gigantes que encaram o Mont Ventoux. E eu lá, como testemunha, registrando tudo para contar história.

Topo do Mont Ventoux

Não é à toa, que o Mont Ventoux, com seus ventos constantes, é considerado uma das etapas mais difíceis do Tour de France.

Na descida, a velocidade das bikes impressiona. Encosto à margem da estrada para deixar uma dupla seguir seu curso. Henrique e George chegam primeiro do que o carro, sensação de desafio superado. Feliz por seguir seu lema: “eu não ando de bicicleta para adicionar mais dias na minha vida; eu ando de bicicleta para adicionar mais vida aos meus dias”.


Informações técnicas do GPS:

  • Distância percorrida = 21,3 km
  • Ganho de elevação = 1.528m
  • Duração = 2h:21min
  • Velocidade média = 9 km/h

Descida na mesma distância em 31min:48s
Velocidade média = 40 km/h
Ganho de elevação = zero

Recorde de tempo do ciclista profissional, segundo o Strava: Laurens Jan ten Dam em 14/07/2013: 58min26s, equivalente à velocidade média de 21,87km/h.


Citações

Um campeão tem medo de perder. Todo o resto tem medo de vencer.” – Billie Jean King, tenista

“Obstáculos não devem te impedir. Se você encontrar uma parede, não desista. Descubra como escalá-la.” – Michael Jordan, jogador de basquete

“Você não pode desistir de seus sonhos porque tem filhos ou por ter chegado a uma determinada idade. Foi essa determinação que me fez ganhar medalhas com 40 anos.” – Dara Torres, nadadora

“Seus desafios são semelhantes à criação de uma fogueira. Você deve ir acumulando combustível e lenha. Acenda o fogo só no fim. Guarde o melhor para o final” – Mia Hamm, jogadora de futebol.

“Todos nós temos sonhos. Mas para transformá-los em realidade, é preciso ter uma quantidade imensa de determinação, dedicação e esforço.” – Jesse Owens, corredor e atleta do salto em distância

“A excelência física vem da excelência mental.” – Clara Hughes, ciclista e patinadora

“Tudo é possível desde que você dedique seu tempo, seu corpo e sua mente.” – Michael Phelps

Mont Ventoux – GCN’s Epic Climbs

Acesse também: Desafio da Serra e Motorista de ciclista

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4 comments

  1. Elza,tenho inveja de quem pratica esportes e desta maneira que Henrique faz ,deve ser muito gratificante para o espírito!Descreveu muito bem!Em frente!

    1. O esporte é muito saudável, mas deve ser praticado com moderação, como tudo na vida. Acompanhar Henrique nas pedaladas proporciona muitos momentos de prazer. Valeu!

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