Múltiplas

Arte é pura representação, expressão de formas variadas e infindáveis, com o propósito de “tirar a poeira da vida diária de nossas almas”, como afirmou Pablo Picasso. O olhar do apreciador de arte tenta interpretar esses caminhos, mas a maneira de enxergá-la é bastante subjetiva.

Outro dia, percorrendo a Galeria B-612, deparei-me com a “Costureira”, uma mulher em traços delicados, sentada à máquina de costura ligada a uma tênue linha de carretel, que vai crescendo na imaginação da personagem feminina, sem perder a conexão.

Me identifiquei de imediato com o quadro. Nas palavras de Renato Monte – o autor da obra – tudo conectado, fazendo sentido, mesmo sem fazer; pura poesia. Os padrões quebram de forma atípica. Mulher e máquina unificadas, mutualismo entre o ser humano e sua ferramenta de trabalho.

Eu vou mais além. Para mim, uma imagem de pensamentos em ebulição, que ganham cores e se multiplicam na tela. Exatamente como a capacidade multidisciplinar do universo feminino.

Um mundo sem muros ou paredes, infinito na sua possibilidade de sonhar, imaginar, criar. Porque a mulher nasceu para procriar, ovular, semear, gestar, amar, parir filhos e ideias. Ninar, cuidar, criar, colorir, florir, florescer.

Em nossas fartas e infindáveis funções, viramos múltiplas, capazes de desempenhar inúmeras atividades ao mesmo tempo. Um ser extremamente adaptável, que se reconstrói a cada novo desafio. Uma força que não é bruta e abunda em sensibilidade.

Enquanto a máquina de costura segue tecendo desenhos, cores e mais cores quebram parâmetros e padrões. Fios e tramas na cabeça inexplicável da mulher, uma reinvenção a cada estação e o esparramar fecundo de matizes pelo mundo.

A alma feminina é assim; feliz daquele que consegue captar a sua essência.

Sigo minha sina, pisando firme, traçando palavras e construindo frases cheias de pontos: afirmação, negação, exclamação, interrogação, reticências…Você, leitora ou leitor, segue junto na exploração desse universo, sacudindo a poeira do meu caminhar.

Costureira – obra de Renato Monte

Martha Medeiros

QUANDO CHEGAR

quando chegar aos 30
serei uma mulher de verdade
nem Amélia num ninguém
um belo futuro pela frente
e um pouco mais de calma talvez

e quando chegar aos 50
serei livre, linda e forte
terei gente boa ao lado
saberei um pouco mais do amor
e da vida quem sabe

e quando chegar aos 90
já sem força, sem futuro, sem idade
vou fazer uma festa de prazer
convidar todos que amei
registrar tudo que sei
e morrer de saudade

Maria Rita | Pagu (música de Rita Lee e Zelia Ducan)
Charlotte Gainsbourg – Just like a woman (música de Bob Dylan)

Acesse também: Vidas em caixas, Bicho esquisito, Mãe é, antes de tudo, uma fortaleza, Camuflagem e Efeito polarizado.

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