Num dia qualquer em que se joga ao léu as cascas inúteis das horas, seguimos em direção ao Ateliê Pedra do Rosário. Antes que o Sol tocasse a linha do horizonte, estávamos postados às margens do Potengi, contemplando o cair da tarde docemente sobre a cidade de Natal.
Sol frio – uma grande esfera laranja sem encandear a visão. Nuvens ralas dão um tom esmaecido à tarde. Do terraço, fios atravessam a captura perfeita da paz de um rio correndo em direção ao mar.
Um filete denuncia a lua nova, quase imperceptível, mas que faz crescer a maré. Cortando a paisagem, um homem solitário e seu barco na imensidão do rio. Remadas firmes na direção da boca da barra. De repente, o barco estanca, ancora e o remador mergulha. Ao longe, braçadas firmes quebram a tranquilidade das águas.

O latido chama a nossa atenção. O homem não está solitário, mas acompanhado do seu fiel escudeiro. Quanto mais o nadador se afasta do barco, mais alto ecoa o chamado do cão ao seu companheiro.
O homem nada, nada contra a corrente, sem se importar com nada no mundo, apenas com o corpo em movimento, mergulhado nas águas que partem de Cerro Corá até o Oceano Atlântico, carregando vidas e histórias em seu curso.
Equilibrado na borda da proa, o cachorro alerta seu dono. O nadador faz meia volta, muda o estilo e nada em direção ao barco. À medida que se aproxima, os latidos diminuem a intensidade.
Mas ainda não era hora de parar aquela imersão do homem na água, tempo e espaço do rio. O corpo passa ao largo do barco, para desespero do cão, que aumenta novamente a intensidade dos latidos.
O exercitar estende-se mais um pouco, enquanto as cores do entardecer mesclam o céu de tons alaranjados, antes de a luz esgotar mais um dia.
O homem retorna ao barco, agarra-se à popa e faz movimentos respiratórios, descansando o pulmão exigido nas braçadas vigorosas. Seu cão cessa os latidos, acalma-se com a companhia inseparável.
O rio prateia; as luzes dos carros começam a pontilhar a cidade. Nas margens do rio plácido, uma cidade em movimento. Imerso em seu ritual diário, o nadador tem a mente aguada, limpa, marejada, arejada.
O silêncio é rompido pelo apito do trem chamando os trabalhadores para o percurso de volta para casa. Hora de retornar ao descanso do lar.

Emergi daquela cena inusitada e parti com a certeza de que cada pessoa tem um modo próprio de se encontrar, relaxar, meditar, alimentar o corpo e a alma. Cada um carrega o que traz em si e constrói a sua história.
Acesse também: Rituais cotidianos, Lusco-fusco relaxante e Entardecer.
2 comments
Quels beaux souvenirs…
Saudade😍
Chère amie nous manque. Ce jour lá, nous étions au ateliê, maman, papa et moi. Je pense que l’anné prochaine tous vas bien pour se retrouver. 😘😘