No Rastro das Águas – Capítulo 10

(…)

Depois de acomodados, relembravam as estórias de assombração, que arrepiavam os cabelos dos mais corajosos e faziam tremer os menos afoitos. Aqui e acolá, alguém preparava uma presepada com o medroso do grupo. O Coronel era afeito a essas brincadeiras. Depois dos dias de corrida, retornavam às fazendas para se aquecerem nos braços de suas mulheres.


Mas não é só vaquejada que diverte o sertanejo em junho. Chega o dia 23, véspera de São João, dia de comemoração. Ritinha comandava os trabalhos de preparação da festa. Como um general que comanda seu exército, ela determinava cada tarefa para sua criadagem. Aumentava o número de braços para aquela festa tão especial. A cozinha ficava repleta e a conversa corria solta entre uma tarefa e outra.

Preparavam pamonha, canjica, tapioca, bolo de milho, cuscuz, bolo de ovos, queijo de manteiga, queijo de coalho, bolo preto, biscoitinhos, chouriço e tantos outros quitutes que enchiam de gosto a boca do sertanejo, muitos deles à base de milho, que a comida da época.

Tudo era feito com muita organização. As comidas que podiam ser feitas de véspera já estavam prontas, enquanto aceleravam o compasso para que o restante ficasse pronto a tempo. Galinhas eram sangradas e depenadas; depois de limpas, cozidas para um gostoso pirão.

Para a criação miúda, que era de responsabilidade da mulher, providenciavam um homem para matar o carneiro e o porco, todos bem cevados para a festança. Às vezes, quando a festa reunia um número maior de pessoas, chegavam a matar um garrote. Antônio Bezerra fazia questão de que seus moradores passassem bem nessas ocasiões. Buchada, paneladas, sarapatel, pirão de galinha, galinha torrada, tudo quanto fosse necessário para encher a barriga do povo. Enquanto as mulheres cuidavam da alimentação, os homens encarregavam-se da fogueira, dos fogos e dos tocadores.

Ao final da tarde, começavam a chegar os moradores. Famílias inteiras aproximavam-se, de cabelos molhados, indicando o banho especialmente para o momento. Roupas bem passadas, perfumes da feira, apragatas de rabicho, raramente dispunham de algum par de sapatos. A filharada era grande, nunca menos de quatro; meio encabulados, iam-se acomodando. Os mais velhos sentavam-se nos poucos tamboretes; as mulheres ficam de um lado, os homens de outro e a criançada no terreiro, brincando em torno da fogueira. Ritinha tirava o terço de S. João, acompanhada por todos os presentes. Após a reza, o clima da festa contagiava a todos.

Para a criançada, tinha fogos inocentes e pau no sebo; às vezes, uma menos prevenida terminava por queimar os pés na brasa da fogueira. Para as moças casadoiras, muitas adivinhações, enquanto os homens iluminavam a noite com fogos de rojão. Mas bastava o sanfoneiro afinar o fole, o tocador arrochar o triângulo, o pandeiro balançar e a zabumba marcar o passo, para a dança começar. O arrasta-pé tomava conta da fazenda.

José, de quando em quando, espantava-se com os tiros dos fogos, estranhando também o movimento esquisito de sua casa. Mas, ao ver a criançada se divertindo, batia palmas alegremente. A luminosidade da fogueira o encantou e Sinhá Cândida teve o maior trabalho para não o deixar aproximar-se do fogo. Aos dez meses, esse menino sapeca já se esforçava para dar seus primeiros passos.

Como mandavam os rigorosos costumes de então, a dança era sadia, sem nenhum aconchego maior. Se por acaso alguém se animasse e esquecesse a distância do respeito, era logo chamado à atenção; afinal, estavam na casa do proprietário, a quem todos deviam muita deferência. O importante era se divertirem e na ausência de algum expoente do sexo masculino, os pares femininos se formavam, na maior espontaneidade.

O sertanejo é um povo simples, honesto, digno, trabalhador, espontâneo, acostumado a passar privações, e por passar tantos momentos de desalento é que sabem valorizar tanto suas alegrias. E como Deus tinha mandado chuva suficiente para disporem de verde em suas mesas, comemoraram com todo entusiasmo a festa de São João. Dançaram, comeram, fizeram adivinhações, soltaram rojões, tornaram-se compadres ou comadres de fogueira. Brincaram até a hora determinada por Antônio Bezerra, quando então retornaram para suas casas, fartos de tanta comida e diversão. Afinal, festa só com muita fartura!

No dia seguinte, muito trabalho para colocarem em ordem a bagunça do dia anterior. As atividades começavam lentas, no compasso da ressaca. Estavam alegres e animados, mas com os pés cansados de tanto arrastarem na dança. A festa rendeu bons comentários e alguns casos de namoros.


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