No Rastro das Águas – Capítulo 7

(…)

No retorno para casa, muito cansaço, depois de um dia de festividades. O passo marcado do cavalo embalava os sonhos do pequeno José, que se aninhara nos braços de sua mãe. Aos poucos, acostumava-se com o lombo do animal, peça fundamental na vida de todo sertanejo, pois atuava como principal meio de transporte e como importante ferramenta de trabalho, percorrendo os caminhos mais espinhosos, no encalço do gado e desbravando serras e caatingas.


O dia escurecera mais cedo. As nuvens encobriram os derradeiros raios de sol. Um vento poente esfriou o final da tarde. As galinhas subiram mais cedo nos poleiros e os passarinhos abrigaram-se no refúgio de seus ninhos. Estavam em meados de janeiro e o ano terminara sem maiores transtornos. Em dezembro, ainda, vislumbrava-se, ao longe, a claridade dos relâmpagos.

Havia três dias, desde quando a lua nascera por trás da barra, que, mesmo dispondo de urinol no quarto, Antônio levantava-se para ir ao terreiro, só para observar o céu. Naquela noite, escutou o barulho do trovão e o reluzir pra cima. Bom sinal: quem sabe se amanhã não choveria?

De manhã, enquanto tangia o gado para os cercados, um redemoinho forte espalhou poeira pelos ares. O fiel cachorro de Tano, assustado, deu um salto para o lado. Nos últimos dias, a natureza encarregava-se de mandar seus sinais.

Do alpendre da casa, Ritinha viu o redemoinho derrubar algumas peças de roupa, que secavam penduradas no arame da cerca. Foi até lá, sacudiu a poeira, recolocou-as no varal improvisado e apanhou as que já estavam enxutas. Entrou em casa e retomou suas atividades.

Com o entardecer prematuro, recolheu José e tratou de aquecê-lo em seus panos macios. Pelo visto, teriam chuva de emendar goteira. Não tardou para um clarão iluminar o céu, seguido de um trovão, que estalou em cima da serra, como se quisesse removê-la, para deixar a chuva passar.

Antônio fechou as janelas e ficou observando através da meia porta fechada. Aquele som o fascinava, transmitia força, vigor e fortaleza. A descarga elétrica dos relâmpagos energizava os ânimos. Todos procuravam suas casas com medo dos raios, que vez ou outra matavam algum animal, ou mesmo um ser humano. Os trovões repetiam-se, assustando o pequeno José que, aos berros, reclamava daquele som desconhecido. Sua mãe, angustiada, procurava confortá-lo, enquanto os cachorros, assustados, latiam nos terreiros. Antônio esboçava um sorriso matreiro e dizia: “quando crescer, seu choro vai ser por falta deste barulho”!

De repente, a chuva começou a desfiar fininha, tomando força, engrossando os pingos. Em pouco tempo, já tinha lavado o telhado; nessa ocasião, o trabalho da casa destinou-se a arrematar qualquer vasilhame disponível, para aparar a água que escorria das biqueiras. Qualquer coisa servia para armazená-la, o importante era não a desperdiçar. Aos poucos, quando os trovões e relâmpagos se dispersaram, a criançada correu para os terreiros, esbanjando alegria nas brincadeiras.

Antônio Bezerra não resistiu e divertiu-se num banho na biqueira. Quando se deu por conta, era noite de verdade e o frio bateu em seu corpo. Um trago de cachaça ajudou-o a espantar a frieza. Naquela noite, ele foi dormir feliz.

Ao amanhecer, verificaram a intensidade da chuva. A bicharada tinha amanhecido escramuçando. O chão estava encharcado, a quantidade de água fazia correr pequenos riachos. E foi isso que aconteceu. Durante toda a noite a chuva persistiu, só parando um pouco antes da ordenha. O curral estava encharcado. O estrume molhado, misturado ao mijo das vacas, exalando um cheiro característico. Por onde se passava, havia um aroma diferente no ar: fosse nos pés de jurema, com a madeira umedecida, fosse nos chiqueiros dos porcos, com seu azedume natural.

Na verdade, o cheiro que vem das entranhas do solo é ímpar. A água penetra fundo e a terra suspira. Seu hálito exala um perfume de vida. A união da terra, água, ar e luz fecha o ciclo da natureza. E como para confirmar esta sentença, o sol apareceu forte e brilhante, com uma brisa fresca amenizando o calor de seus raios.

O solo seridoense, embora ressecado e castigado por constantes estiagens, é um solo potencialmente fértil e suficientemente vigoroso para fazer brotar, se suas entranhas, as sementes que permanecem, por tanto tempo, adormecidas. As secas fazem-no descansar, mas o certo é que com a chegada da água tudo renasce. O tempo agora era de roçar, plantar, limpar e colher!


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