No Rastro das Águas – Capítulos 48 e 49

(…)

Ele debatia-se entre a saudade e o entusiasmo, com a transferência. Sabia que encontraria novas oportunidades na Capital, mas temia pelo destino daqueles que continuava a residir, em sua maioria, na zona rural. Com as diferenças entre o campo e a cidade acentuando-se, com o dono das terras partindo para longe das fazendas e com as constantes secas que assolavam a região, sem assistência adequada, mudanças não tardariam a acontecer.


Capítulo 48

A descoberta de um abrigo antiaéreo, resquício do tempo da Segunda Guerra, empolgou os desbravadores da nova residência, à rua Jundiaí, nº 648, não muito longe da casa de D. Dulce, na avenida Deodoro. Qualquer local ou reentrância que servisse para as brincadeiras infantis fazia a alegria dos meninos, ainda em regime de exploração da nova morada. Haroldo, já adolescente, fez daquele local seu esconderijo secreto, sentindo-se o próprio espião. Eleika, muito criança ainda, era quem mais reclamava da mudança, porque passava a maior parte do tempo restrita aos limites da casa, sem poder sair livremente como ocorria em Currais Novos. Se soubesse que ficaria tão presa, teria preferido ficar morando na casa das primas no interior.

Aos poucos, a casa entrava em seu ritmo normal. Depois de passar mais de dezesseis anos em Currais Novos, Yvete estava satisfeita com o conforto oferecido na Capital. O fogão ainda era à lenha, que seu pai mandava trazer da fazenda já cortada no tamanho apropriado, mas a água era encanada. Não se viam os burros carregando água para abastecer as residências, nem as pessoas transportando galões nas costas, nem latas na cabeça; ninguém precisava engrossar o muque, bombeando água da cisterna para caixa d’água; era só abrir a torneira que o líquido corria franco. Tanta facilidade não significava que poderia haver desperdício. Ao contrário, como bom seridoense, José Bezerra fiscalizava o consumo da água, recomendando economia do líquido precioso.

A Companhia Elétrica fornecia energia elétrica ininterruptamente; não havia desligamento do motor. A qualquer hora da noite era só apertar o interruptor que a luz iluminava o ambiente. Com esse conforto, poderiam dispor de geladeira elétrica, que já estava encomendada. A variedade de frutas e verduras era bem maior que em Currais Novos e o mercado público, localizado no centro da cidade, dispunha de carne fresca todos os dias. Os hábitos alimentares passariam por mudanças, mas as gostosuras do sertão continuariam a abastecer aquela mesa e apenas a cebola permanecia sem vez na cozinha.

No entanto, a novidade maior estava por vir. Enquanto que Currais Novos dispunha apenas do telégrafo para comunicação e da prontidão dos meninos de recados, em Natal, há muito que o aparelho revolucionava o sistema de comunicação. O telefone permitia a conversa entre duas pessoas em lugares distintos. Não tardou para que fosse instalado na residência de José Bezerra, para a alegria dos meninos, que aproveitavam quando a guarda não estava alerta e postavam-se ao aparelho para conversas e trotes. Caso seus pais percebessem as brincadeiras, era castigo na certa: aquilo custava caro e não era para diversão.

Embora as facilidades trouxessem maior conforto, em alguns casos os métodos utilizados anteriormente faziam falta. Enquanto aguardava a roupa de cama, Yvete tentava, em vão, sentir o cheiro da roupa lavada em Currais Novos. Na Capital, as lavadeiras não dispunham dos lajedos nem do sol abrasador, que deixavam um perfume gostoso nas roupas quaradas. O jeito era acostumar-se; não adiantava reclamar da lavagem.

Já entrosadas na Capital, Zorilda e Dulcinha não tinham do que reclamar. As diversões eram bem mais variadas. Podiam saborear um bom sorvete, apreciar a retreta no passeio público da praça Pedro Velho, ou assistir a um bom filme no cine Rio Grande. Este, inaugurado em 1949, moderno e confortável, era ponto de atração para os natalenses e visitantes do interior; de sua programação, estampada nos jornais da cidade, destacavam-se as produções americanas e as chanchadas da Atlântida. Muitas vezes os interioranos, acostumados a assistirem aos filmes em duros e desconfortáveis bancos de madeira, estranhavam o conforto das modernas poltronas, protagonizando cenas engraçadas.

Chegando à espaçosa sala de projeção, um pouco atrasados, foram guiados pelo lanterninha, que indicou as poltronas disponíveis. Muito acanhados, sem querer chamar a atenção, sentaram-se apressadamente, mas de maneira suave, para não provocar rebuliço. Estranharam um pouco o assento, principalmente por tomarem conhecimento dos comentários acerca do conforto oferecido pelo cinema. Mantendo-se eretos até certa altura, um deles, já cansado da posição elevada, virou-se para comentar com o companheiro aquele desconforto. Qual não foi sua surpresa, quando o assento da cadeira dobrável, forçado pelo discreto movimento, adotou a posição correta. Um grito assustado, seguido de risadas discretas, foi logo abafado, mas não a tempo de trair a inexperiência do espectador, que, aproveitando o escuro do cinema, saiu antes de o filme acabar para não passar por vexame maior.

O cinema era uma distração para os natalenses, mas era no seio de suas casas que partilhavam a febre nacional. O rádio consolidou-se, prendeu a atenção dos ouvintes através da programação variada e tornou-se um fenômeno de comunicação. A rádio Nacional liderava a audiência, atendendo a todos os gostos: para o público bem jovem, oferecia os seriados, como o Vingador e Tarzan; para o público feminino, nada melhor do que emocionar-se na “coqueluche” do momento, as radionovelas; os programas de auditório divertiam a todos; e o Repórter Esso colocava o Brasil em sintonia com as mais recentes notícias.

Mas não fora por diversão que José Bezerra mudara-se para Capital. Enquanto seus filhos cumpriam com os deveres estudantis, ele tratava de organizar seus negócios. O Rio Grande do Norte descobrira sua vocação de produtor de minérios. O Seridó, com sua paisagem árida, revelou-se um enorme depósito de minerais. A scheelita, ainda que de forma rudimentar, vinha sendo extraída das minas recentemente descobertas; além dela, passaram a explorar ouro, colombita, berilo, tantalita e outros minerais que atraíram comerciantes para o setor. José Bezerra entrou no negócio de minérios e junto com seu primo Tomás Galvão passaram a comercializá-los em Campina Grande, na Paraíba. Associou-se também com Aristófanes Fernandes, dono da mina de scheelita, denominada Cafuca, sem Santana do Matos.

No auge de sua produtividade, então com quarenta e três anos, ele tentava acompanhar o ritmo de desenvolvimento do Estado. A vinda dos americanos para Natal influenciara, sobremaneira, o pensamento econômico vigente. O contato com o rápido progresso da cidade, na época da guerra, despertou o empresariado local para a necessidade de crescimento de nossa economia, que ganhou novo impulso.

Além da comercialização de minérios, José Bezerra mantinha suas atividades agropecuárias. Gostava mesmo era da pecuária, mas cultivava o algodão, auferindo algum lucro com o produto que ainda se mantinha como um dos principais de nossa economia, embora continuasse a sofrer modificações no seu aproveitamento. Já passara pela fase da bolandeira e do vapor, quando os fardos transportados no lombo de animais só atingiam sessenta e quatro quilos. Com a melhoria da malha viária e o uso de caminhões para o escoamento da produção, os fardos aumentaram de tamanho e pequenas usinas passaram a beneficiar a pluma nas cidades do interior, enquanto que os caroços eram entregues às fábricas de óleo e torta, mais próximas ao litoral.

As multinacionais foram as primeiras a adotarem esse sistema, seguidas pelos grupos locais mais capitalizados que tiveram acesso à política de crédito do governo. As pequenas usinas que não conseguiram adaptar-se ao novo sistema foram engolidas pelas grandes do setor. Começava o processo de consolidação das usinas, que, numa combinação entre si, determinavam o preço do produto a ser pago aos produtores de algodão.

Para manter suas atividades, José Bezerra ia e vinha constantemente a Currais Novos, pousando sempre na Cacimba do Meio, pois sua casa da “rua” estava alugada. Mas a temporada com toda a família na fazenda ficava restrita à Semana Santa e às férias escolares do meio do ano. No verão, resguardava sua temporada em Muriú. No dia a dia, em Natal, frequentava o escritório de Aristófanes Fernandes e o da firma Nóbrega e Dantas, onde proseava com os amigos Chico Seráfico e José Vinício. Muitas vezes discutiam política – era difícil abandoná-la; assim, prognosticavam a campanha sucessória e os nomes mais prováveis para disputa. Saindo dos assuntos sérios, sua diversão era o carteado no Natal Club, pois herdara esse gosto de seu pai, mas do qual divergia por ser bastante seguro, fazendo valer sua fama de pão-duro; assistir às partidas de futebol, das quais o ABC participava, também fazia parte do repertório de seus passatempos prediletos.


Capítulo 49

Yvete pegou-o de surpresa, mas foi justamente a paixão pelo futebol que fez José Bezerra pensar duas vezes na proposta de sua esposa. Passados quase três anos de sua transferência para Natal, o campeonato mundial de futebol, a ser realizado na Suíça, estava bem próximo. O Automóvel Clube do Brasil organizou uma excursão à Europa para aqueles que quisessem assistir às finais da Copa do Mundo. Certa de poder realizar um sonho de juventude, Yvete acenou para a possibilidade de realização da viagem. Sentindo uma ligeira aceitação do marido, ela insistiu e ele prometeu pensar no assunto.

Enquanto ele tomava a decisão, ela acertava os detalhes com D. Dulce para cuidar dos meninos na sua ausência. A família crescera, em 1953; Yvete dera à luz ao fim-de-rama, que recebeu o nome de José Bezerra de Araújo Júnior, mesmo sob protesto do homenageado.

Em Currais Novos, onde tratava de negócios, José Bezerra refletia sobre a viagem. A ida à Europa, iria colocá-lo em contanto com o berço da civilização, o lugar de costumes e valores que influenciavam o comportamento do mundo ocidental. Conhecer fazia parte de sua filosofia de vida e desde muito jovem percorria terras distantes do Seridó; era curioso e por onde passava não deixava de indagar sobre tudo o que via. Dois anos antes tinha ido a Argentina, o lugar mais longínquo até então visitado por ele, e agora surgia uma ótima oportunidade, com um motivo bastante plausível: a Copa do Mundo.

Quatro anos antes o Brasil deixara escapar, por pouco, a conquista do título mundial no esporte favorito dos brasileiros. O Maracanã todo silenciou quando o Uruguai derrotou o Brasil, com o placar de 2×1, e conquistou o campeonato mundial, na decisão da Copa de 1950. Amante do futebol, José Bezerra poderia assistir, agora em 1954, à primeira conquista brasileira num Campeonato Mundial. Seria uma grande alegria e poderia significar a desforra frente ao Uruguai. Mas não eram só pontos positivos que deveriam ser levados em consideração. Para decidir viajar, pesava muito a ignorância linguística: imagine como não se sentiria sem poder comunicar-se! Além disso, a viagem era bastante dispendiosa; porém ante os reclames de Yvete, decidiu realizar seu sonho.

Já tinha concordado com a viagem, quando soube que ocupariam a cabine “priorité”. Não podia aceitar pagar tanto conforto. Apesar do status que uma viagem daquela representava, não era justo despender tanto dinheiro, quanto o sertão tentava recuperar-se do longo período de estiagem. As chuvas naquele ano nem foram tão boas, embora o lucro do comércio de minérios garantisse o seu sustento; esse luxo, na verdade, era absolutamente desnecessário. Telegrafou para Yvete, avisando que não mais iriam viajar. Sem aceitar, ela correu a Currais Novos para convencê-lo a mudar de ideia, de modo que, conseguindo seu intento, em 18 de maio de 1954, estavam tomando o avião da Varig com destino a Salvador. De lá, seguiram para Europa, a bordo do navio a vapor, Bretagne, numa travessia de treze dias até Gênova, o ponto inicial da excursão em terras europeias.

Os primeiros dias foram de entrosamento com o grupo e de adaptação ao balanço do mar. José Bezerra já viajara de navio antes, mas não podia ser considerado um marujo e, assim como os demais, sofreu as consequências do mar agitado. Quando o vento passou e a calmaria tomou conta do Atlântico, pôde contemplar, no convés, a beleza do céu estrelado em meio à imensidão do oceano. Num rápido relance, lembrou-se das caravelas cruzando o oceano, em busca de terras desconhecidas, orientadas pela posição das estrelas. De lá para cá, o mundo tinha evoluído bastante, o vapor substituía a força dos ventos e impulsionava “velozmente” o navio. À medida que avançava no trajeto inverso ao das caravelas, adiantavam os relógios, adequando-os aos fusos horários.

Depois de cinco dias, avistando apenas céu e mar, atracaram em Dakar, no Senegal. Pisar em terra firme provocou uma certa tontura, consequência do balanço do navio, mas era reconfortante saber que concluíram a travessia do Atlântico sãos e salvos. A primeira impressão do país africano foi bastante agradável. A população refletia sua alegria em roupas de cores fortes e vibrantes. O navio recebeu novos passageiros, principalmente soldados senegaleses que lutariam na guerra da Indochina, provocando uma algazarra com seus dialetos variados. Tão logo o navio fora abastecido, o primeiro contato com uma nação estrangeira ficou para trás.

Prosseguiram viagem até Casablanca. A cidade marroquina surpreendeu os nordestinos. Seus edifícios modernos, seu intenso comércio e as indústrias instaladas, contrastavam com o conservadorismo da população muçulmana. Por terra, através de estrada asfaltada e muito bem sinalizada, um pequeno grupo do navio, inclusive José Bezerra e Yvete, seguiu para Rabat, capital do Marrocos francês. Lá puderam entrar em contato com costumes muito diversos daqueles até então conhecidos. A poligamia era uma prática constante; os árabes, ajoelhados no chão, orando voltados para Meca, davam graças por mais um dia de trabalho; e as mulheres totalmente cobertas só tinham permissão de exporem os olhos. Se no Nordeste brasileiro elas amargavam a dominação machista, o que não dizer das muçulmanas.

O cruzeiro continuou rumo a Barcelona. As duas primeiras paradas já davam uma ideia da profusão de costumes, línguas e comportamentos com os quais os dois nordestinos iriam deparar-se. A quantidade de informações serviria para abrir novos horizontes. Para início de viagem, eles já estavam por demais satisfeitos. A pequena amostra tinha servido para que José Bezerra dissipasse o receio de ter entrado naquela excursão. Afora os países que conheceria, aproveitava as horas relaxantes no navio para bater papo e fazer novas amizades, o que ele bem apreciava.

Uma parada em Marselha e depois chegariam a Gênova, onde desembarcariam para o início da excursão. Os sessenta e dois dias seguintes foram percorridos na Itália, Áustria, Suíça, Alemanha, Holanda, Bélgica, França, Espanha e Portugal. A cada nova cidade que conheciam, mais se davam conta do porquê de aquele continente expandir seus domínios pelo mundo afora. A grandiosidade de sua arquitetura indicava a opulência e a riqueza que conseguiram acumular. Somente com muitos anos de civilização para se permitir tanto gasto em construções faraônicas. Em alguns lugares, a riqueza permanecia como fonte de progresso e desenvolvimento, mas em outros eram claros os indicativos de sua decadência.

Na Itália, presenciaram os restos da civilização romana e o domínio da Igreja Católica, com Igrejas, Catedrais e Basílica luxuosas, ricamente decoradas e de proporções gigantescas. Foi lá que passaram por momentos emocionantes. Yvete, muito religiosa, não conseguiu conter a emoção quando divisou aquela figura de branco, muito magra, acenando para uma multidão que delirava. Com um simples gesto, o Papa Pio XII calou os fiéis que, ajoelhados, receberam sua bênção. Até José Bezerra, que não era católico praticante, embora tivesse recebido uma boa educação religiosa, emocionou-se.

A Europa recuperava-se da Segunda Grande Guerra. Diversas cidades, principalmente da Itália e da Alemanha, passavam por um período de reconstrução. Os natalenses ainda encontraram muitos escombros sendo removidos, enquanto que guindastes tentavam recolocar em ordem a destruição. A colaboração da população era intensa, contribuindo através de rifas, sorteios e oferendas. Na Alemanha, a população estava dividida entre o domínio dos antigos Aliados. Muitos alemães tentaram esquivar-se do domínio russo e fugiram para o lado inglês, pois o famoso muro ainda não existia.

Mesmo em meio à destruição, era claramente perceptível o progresso em relação ao Brasil e, principalmente, ao Nordeste brasileiro. As estradas eram amplas, largas, asfaltadas, bem sinalizadas e contavam até com telefones para socorro. Túneis cortavam montes, abreviando o caminho. Nas grandes cidades, encontraram arranha-céus que já contavam com até trinta e quatro pisos. Os meios de locomoção variavam de cidade para cidade. Em Veneza, cidade “suis generis”, deslocavam-se através de barcos e gôndolas, pois as ruas da cidade eram canais de água, portanto destituída da possibilidade de os automóveis transitarem. Nas cidades maiores, as vespas fervilhavam tentando escapar do trânsito intenso. Em Amsterdã, cidade muito plana, as bicicletas eram o principal meio de transporte. Mas em Paris e em Madri, José Bezerra e Yvete puderam desfrutar da comodidade e rapidez do metrô. Inconveniente, no entanto, eram os infindáveis degraus das estações, só amenizados por uma ou outra escada rolante. Nos edifícios mais luxuosos não faziam o mínimo esforço para abrir suas portas, deixavam o trabalho para a porta automática.

Ao mesmo tempo que se deparavam com sinais evidentes de progresso, foram vítimas do conservadorismo das regiões mais atrasadas ou da própria Igreja Católica. Em Assis, Yvete não pôde entrar na Igreja porque estava vestindo calça comprida, o que também foi motivo de gozação por parte de um grupo de espanholas. Contrastando com esse comportamento, encontraram, em Paris, jovens devassos para os padrões norte-rio-grandenses; eram adolescentes que se abraçavam em via pública e trocavam beijos ardentes, vivendo o espírito de liberdade pós-guerra, com os americanos por toda parte, com muito dólar no bolso, fazendo valer sua superioridade financeira sobre os demais.

Nas estradas por onde passaram, deslumbraram-se com a diversidade das paisagens. Nos pontos mais altos, apesar de ser final de primavera, puderam conhecer a neve. Com um clima tão propício, nenhum pedaço de chão era desperdiçado e os campos cultivados margeavam o caminho. As montanhas e vales suíços encantaram José Bezerra, que lamentou não dispor de tanto verde no seu amado sertão, este novamente lembrado nas regiões insólitas de Espanha e Portugal.

Com tanta coisa para ver e conhecer, quase esqueciam o motivo principal da viagem. Chegaram em Berna para assistir à partida das quartas-de-final entre Brasil e Hungria. Para desapontamento dos homens que foram assistir ao jogo, o Brasil foi derrotado por 4×2, sendo eliminado do torneio. A possibilidade da conquista da Copa do Mundo de futebol ficava adiada por mais quatro anos. Mas o entusiasmo pela viagem apagou qualquer decepção futebolística. Ainda tinham muito chão para percorrer.

Ao chegarem à França, José Bezerra levantou a possibilidade de regressarem ao Brasil por avião. Yvete recusou prontamente a oferta. Era por demais arriscado e seu medo não permitia. Deixassem a travessia do Atlântico, via aérea, para os intrépidos aviadores. Na cidade luz e assim como nas demais, entraram em contato com a cultura europeia através de espetáculos bem produzidos, de música por todos os lugares e de visitas a Museus com coleções preciosas de arte e de telas de pintores famosos.

A passagem pela Espanha e Portugal aumentou as saudades do Brasil. O atraso desses dois países era evidente. A aridez de algumas regiões fazia lembrar o Seridó. Talvez por isso os ibéricos tenham partido na frente em busca do Novo Mundo no além-mar. Em Barcelona assistiram a uma tourada e, outra vez, a semelhança com o Nordeste brasileiro: nas vaquejadas, os bois são apenas humilhados com a derrubada; nas touradas, a humilhação não é suficiente, visto que a plateia, aos gritos de olé, aguarda o apogeu do espetáculo, com o sacrifício do animal.

Em Portugal, com a saudade de casa apertando, José Bezerra sentiu-se bem à vontade. Possuía o domínio da língua e o podia conversar e interpelar qualquer pessoa. Preferiu prosear com moradores locais a visitar castelos, museus, igrejas e monumentos. Com tantos dias fora de casa, tinha visto o suficiente e já era hora de retornar. Voltaram a Espanha, onde tomariam o navio.

Zarparam de Barcelona, na viagem de regresso. O Bretagne oferecia bastante conforto e puderam, facilmente, recompor as energias gastas no desbravamento do Velho Mundo, que, não obstante, mostrava-se bem adiantado em comparação ao Brasil. Ansiosos para pisarem em solo pátrio, as diversões oferecidas encurtaram a distância. Os dias eram preenchidos com jogos, torneios, cinema, concursos, danças e bailes à fantasia. Quando não estavam desfrutando das brincadeiras, passavam horas a fio em animadas conversas.

Numa dessas conversas, duas simpáticas e aristocráticas argentinas comentaram a situação angustiante por que passava a Argentina, sob o regime de Perón. A economia do pais deteriorava-se; a popularidade do Presidente decrescia. Ele não podia mais contar com Evita, falecida em 1952, e que era sua grande força junto aos descamisados. A oposição militar organizava-se; a situação era delicada.

O tempo passou rapidamente e em 11 de agosto o navio Bretagne aportou na Baía de Guanabara. Felizes por chegarem ao Brasil, depois de tanto tempo fora de casa, Yvete e José ansiavam por chegar logo a Natal; antes, porém, passariam alguns dias na Capital Federal. Logo no desembaraço alfandegário, puseram-se a par das notícias. A situação era delicada e não sabiam ao certo se era conveniente permanecerem no Rio de Janeiro.


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