Os Brutos – resenha

Bordado da artista Angela Almeida com trechos do poema Mealheiro de José Bezerra Gomes, na exposição “Moderno…pra contemplação dos olhos de hoje” | Pinacoteca do Estado do RN



O Seridó está de barreira a barreira. As palavras fluem no fluxo das águas, carregam os sonhos de Sigismundo, que veio morar na Rua para estudar no grupo escolar municipal de Currais Novos. 

Acolhido pelos tios maternos, sofreu o pão que o diabo amassou, mas soube narrar a vida da pequena e pacata cidade, sob o olhar de menino/adolescente, nos idos dos anos de 1930.

Após três anos de estudo, voltou ao sítio dos pais. No Alívio, era tido como doutor. O filho do proprietário, mesmo com pouco estudo, era mais do que os analfabetos que trabalhavam na construção do açude e na lida da terra; os brutos, como dizia sua mãe.

A paisagem rural toma o lugar do ambiente urbano e Sigismundo descreve os personagens do sítio, o movimento da casa grande, a labuta dos trabalhadores, os roçados e a esperança de seus pais em tornarem aquele chão capaz de garantir o sustento da família.

Mas as águas de rio intermitente descansam mais do que correm. A natureza inclemente joga por terra o sonho de uma família. O homem/menino narra as desventuras desse universo sertanejo com maestria.

São as palavras que correm soltas e precisas no romance regional Os Brutos (1938), de José Bezerra Gomes.

Nascido na Mina Brejuí, município de Currais Novos, em 1911, José Bezerra Gomes formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. 

Exerceu pouco a advocacia. Neto do Coronel José Bezerra da Aba da Serra pelo lado do pai, Napoleão Bezerra de Araújo Galvão, e do Coronel Luiz Gomes de Melo Lula, pelo lado da mãe, D. Veneranda Bezerra de Melo, chegou a ser Vereador no município de Currais Novos, mas foi na literatura que encontrou o seu mister.

Ficcionista, Seu Gomes (como era conhecido) inseriu a literatura potiguar no regionalismo nordestino dos anos 30 com esse romance de estreia, em 1938. Poeta e ensaísta, trouxe para sua obra o sertão da infância.

Foi criança no Seridó, estudou em Belo Horizonte, morou em Currais Novos e terminou seus dias em Natal, onde faleceu em 26 de maio de 1982.

Suas principais obras são: Os Brutos (romance, 1938), Por Que Não se Casa, Doutor? (romance, 1944), Retrato de Ferreira Itajubá (ensaio, 1944), A Porta e o Vento (romance, 1974) e Antologia Poética (poesia, 1975). Ainda não publicado, o romance Ouro Branco.


José Bezerra Gomes

Mealheiro
 
Meu avô
a camisa por cima da ceroula
no mourão
da porteira do curral
de pau a pique
cheirando a estrume
 
Contando
os bezerros
novos
das vacas paridas
 
Minha avó
no santuário da capela
o rosário de contas
de capim santo
nas mãos devotas
 
Nos terços
nas novenas
de maio
o mês das flores
 
As espigas
de milho
verde
bonecando
nos roçados
 
Os algodoeiros
casulando
 
As ovelhas
malhando
na sombra
das quixabeiras
 
O rio
A cheia
 
A água
barrenta
da correnteza
transbordando
pelas vazantes do rio cheio
 
Os sapos
os cururus
cantando
dentro das noites
empoçadas
 
As tanajuras
Esvoaçando
na luz
das lamparinas
 
As flores
do mato crescendo
pelos caminhos orvalhados
rescendendo
 
Os meninos
gordos
de terra
sob a chuva
sob o inverno
se banhando
 
As veredas
trilhadas pelos preás
 
Os ninhos
dos concrizes
balançando
na copa das braúnas
 
As asas
dos urubus
pairando
paradas
no céu
encandeando
 
A barra das madrugadas
O aboio dos tangerinos
 
As alpregatas
de meu avô
arrastando
nas lajes do alpendre
do mundo
de minha infância.

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2 comments

  1. Antonia Maria de Araújo Fernandes disse:

    Maravilhosa descrição do pertencimento dos filhos do Seridó

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