Meu nome é sentido, ninguém me toca, vê ou escuta. Estou no ar, às vezes, despertando o paladar que me agasalha em cumplicidade.
Um banho demorado em tempos de sobra de tempo, finalizado com uma tolha limpinha – se fosse quarada nos lajedos do sertão, me levaria de volta no túnel do tempo.
A tardinha cai e me arrisco a caminhar até à padaria da esquina, seguindo o aroma do pão que marca as horas do entardecer e do amanhecer.
O bolo no forno avisa que está quase pronto. O sabor do brownie de chocolate provocando e adoçando a cozinha, tudo para saciar a vontade de minha filha, a chocólatra da casa.
Ligo a cafeteira e, com apenas um toque, vejo o líquido espumoso encher minha xícara. Saudade do fogão crepitando a lenha ao abano, enquanto mãos firmes torciam o pano de coar, espalhando o cheiro marcante pela casa. Lambuzo de manteiga o pão ainda quentinho e o gole no cafezinho permite curtir pequenos prazeres que se tornam gigantes em tempo de isolamento.
Se optasse por um chá, ideal seria de mato fresco, de preferência após a chuva. Na sua falta, os de saquinhos fazem a serventia, servidos na relíquia que tenho em casa – uma xícara de porcelana pintada pelas mãos habilidosas de Vovó Yvete, presente carinhoso de minha Tia Zorilda. Vontade de ler, manusear um livro novo, sentir o papel e o cheiro da tinta; ainda não me acostumei com o formato digital, carece de tato e aroma.
Aguardo o anoitecer, quando a brisa marinha sopra a maresia para dentro do apartamento e o jasmim abre suas flores para perfumar minha varanda. Velas perfumadas e uma garrafa de vinho para compartilhar com o marido. A escolha recai no paladar, não tenho o olfato apurado dos sommeliers para distinguir o bouquet da bebida do deus Baco.
Uma chuva fina começa a desfiar a noite, inquietando o asfalto que expele o calor acumulado do dia. A cabeça viaja até a fazenda, o mormaço exalando a benção da terra molhada; recolhimento sob as telhas que respingavam o chuvisco por entre suas frestas, para aguar os sonhos do repouso merecido.
Desperto para mais um dia. A manhã ainda continua com cara de ressaca. Abro as janelas, deixo o sol penetrar, o ar circular. Borrifo cheirinho pela casa, para despertar os sentidos. Na ausência de beijos e afagos dos pais e amigos isolados, deixo os perfumes da vida abraçarem a alma.
Decido sair para pedalar, enquanto é permitido. Querendo, aos poucos, reconquistar minha (in)amiga, a bicicleta, procurando despertar o olfato para descobertas de muitos outros cheiros.
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