Surf, do pé na areia ao Outside

Ítalo Ferreira, foto capturada no site da WSL | Kelly Cestari

Aloha! WCT 2020 inexistente, Olimpíadas adiadas. No ano em que tudo está diferente, a Word Surf League decidiu inverter a ordem dos eventos e começar a temporada de surf de 2021 ainda em 2020, na praia de Pipeline (Havaí), exatamente onde Ítalo Ferreira foi vencedor do Pipe Master e conquistou o título mundial em 2019. Esqueça 2020!

Com dois representantes potiguares no WCT – Ítalo Ferreira e Jadson André – já estou na torcida e pronta para acompanhar a temporada 2021 do campeonato mais famoso do surf mundial. Mas de onde vem esse meu interesse?

Quem sabe da moleca de praia de Muriú (que nem onda surfável tem), lugar onde coloquei o pé na areia, temperei a pele de maresia e mergulhei sem temer as águas salgadas até o outside.

Sargaço na cintura, passeios de jangadas (abaixe a cabeça, cuidado com a vela ao dar o bordo), um banho estendido até os arrecifes distantes – protetores da costa, maliciosamente batizados de “Buraco da Velha”. Na falta de catraia, jangada, motor de popa ou lagosteiro fedido de óleo, os pés de pato, um pedaço de isopor e umas boas braçadas nos levavam ao nosso destino.

O medo do mar logo foi substituído por um fascínio prazeroso. Pele queimada do sol, sobressaindo apenas o branco do olhar e do sorriso sapecado no rosto.

A menina virou adolescente justamente quando o surf dos anos 70 invadia sua praia. A Praia dos Artistas virou point da rapaziada, lugar de paquera e dos surfistas natalenses na crista da onda.

Ainda tentei descer umas ondas na praia de Cotovelo, mas desisti e fiquei somente no Morey-Boogie, primeira versão do Bodyboard. A prática do esporte ficou para meus irmãos e meu marido (que foi surfista na adolescência e depois converteu-se ao ciclismo).

Os que me conhecem devem estranhar meu interesse. Vai ver que a burguesinha (denominação aplicada por minha professora universitária de cálculo diferencial e integral na efervescência de uma discussão política) carrega a rebeldia dos surfistas dos anos 70 bem entocada, rsrsrs.

O fato é que casei cedo e entrei em outras vibes. Mar de calmaria, totalmente flat, bem distante do circuito. As fotografias nas revistas e os filmes de surf, bem marcantes na adolescência, ressurgiram quando o WCT passou a ser transmitido nos canais fechados de televisão ou pela internet, exatamente quando os brasileiros se tornaram destaques nos circuitos.

Um swell de novos termos para entender a linguagem características do esporte. O strep agora é leash, a crista da onda virou lip; regular, goofy, floater, aéreos – novos termos, novas manobras, novas formas de surfar. Muita gente aderindo ao esporte que se tornou profissional. Deu Crowd!

Mas foi lendo “Dias bárbaros” que passei a compreender melhor a essência do surf. William Finnegan, surfista da década de setenta, percorreu o mundo à procura das melhores ondas, colheu material suficiente para sua carreira de jornalista e escritor. O surf do ponto de vista, ou da visão, ou da sensação de quem está dentro d’água.

Um esporte para os que apenas assistem. Para quem surfa, trata-se de muito mais: um vício, uma arte, um estilo de vida.

Na narrativa de Finnegan sobre o contato com o mar, encontrei pontos convergentes de minha história: “A água rasa aquecida pelo sol tinha um estranho sabor de hortaliças cozidas. O momento era imenso, calmo, cintilante, mundano. Tentei guardar cada uma das partes na memória”.


O SURF NA VISÃO DE WILLIAM FINNEGAN

Mal começou, o campeonato foi novamente suspenso em razão da confirmação de casos da Covid-19 entre os organizadores. Enquanto não recomeça, compartilho alguns dos pensamentos de William Finnegan:

William Finnegan

“Uma onda era grande ou pequena, fraca ou poderosa, medíocre ou magnífica, assustadora ou não, no grau exato em que ela era de fato essas coisas”.

“Surfar é um jardim secreto onde não se entra facilmente. Minha memória de descobrir um pico e vir a conhecer e entender uma onda normalmente é inseparável do amigo com quem eu tentei subir as paredes dela”.

“Acho que, para a maioria dos surfistas – para mim, com certeza –, as ondas têm uma dualidade assustadora. Quando se está absorto em surfá-las, elas parecem vivas. Têm personalidades distintas e intrincadas, além de estados de ânimo que mudam depressa, e é preciso reagir de modo intuitivo, quase íntimo – muita gente já comparou pegar onda com fazer amor”.

William Finnegan – Barbarian Days

Acesse também: Surf nos anos 70, Entrevista com Jadson André, Surf, deu Baía Formosa no Pipe Masters e no WCT, Encarando as ondas de Nazaré e Tonico e Maya Gabeira, exemplos de superação.

Leia também

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *