De repente, ele chegou por imposição, sem qualquer aviso ou previsão, atendendo aos reclames de milhões sobre a sua falta. Inesperadamente, está disponível para todos os confinados. Sem distinção de nacionalidade, o tempo emergiu, incluindo o mundo todo no mesmo barco.
Em voos largos, falei sobre o ócio criativo preconizado por Domenico de Masi e o que fazer na sobra de tempo. Agora ele está aí e as pessoas, surpreendidas, questionam o que fazer com ele. Mensagens pipocam a todo instante nas mídias sociais, dando dicas sobre como enfrentar o isolamento social.
Sem efeito polarizado, as pessoas estão surgindo nas telas dos celulares, tablets e computadores, de caras lavadas, sem maquilagem ou quaisquer outros efeitos visuais que as deixavam praticamente iguais em aparência. Agora, todos expostos em suas diferenças físicas, mentais e intelectuais. Vive la différence!
Um freio de arrumação, como diz a sabedoria do matuto. O mundo parou e ninguém pode descer; pausa para recarregar. Famílias reclusas aprendendo a ter tempo para os filhos, pai, mãe, marido e mulher. A necessidade de socialização – inerente ao ser humano – encontrando o caminho nos meetings virtuais. Até pessoas que há muito não se falavam, aparecem na telinha. Não sei como ainda não chegou, atrasado, o bug do milênio.
No livro “O Segredo da Dinamarca”, Helen Russell explica direitinho o fenômeno do hygge, praticado pelos nórdicos no inverno rigoroso. Acostumados a se recolherem por causa das baixas temperaturas, os dinamarqueses preparam suas casas com aconchego para passar os dias de recolhimento.
Num país tropical, com o sol exuberante trazendo luz e calor, fica difícil acostumar-se ao isolamento em casa, mas se é a melhor forma de enfrentar a pandemia, vamos a ele. É tempo de aprendizado e de ser criativa.
Procure deixar sua casa a mais agradável possível. Faça aquela arrumação deixada para segundo plano, cuide das plantas, descarte o que não precisa, dedique um tempo à leitura (não é a toa que os países frios tem um alto índice de leitura), assista àquele filme que desejava, aprenda ou aprimore a prática da gastronomia (cuidado com os excessos que serão medidos ao final da quarentena, rsrsrs).
O mais importante na situação atual: priorize a convivência de forma virtual! Afinal, o que seria de nós se não fosse a tecnologia? Com nossos idosos abrigados, podemos dar-lhe um abraço virtual, um alô pela tela, oferecer-lhe um cuidado por aplicativo. O toque está proibido, mas ressurgirá nas mãos entrelaçadas, nos abraços apertados e nos beijos interrompidos, mais valorizados e vigorosos, transbordando intensidade.
Torçamos juntos para que a humanidade recolhida ressurja mais forte e viçosa, como as raízes do sertão, que passam temporadas privadas da água e fazem renascer galhos verdes e fortes após as primeiras chuvas.
O depois será muito mais desafiador. A união e a solidariedade serão essenciais para a construção de um mundo melhor. Só assim o sacrifício terá sido válido.
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