Visitando a Oficina Brennand

“Recordo-me de ter encontrado a velha cerâmica São João em ruínas. Inclusive, cabe salientar que não havia necessidade de um anteprojeto, pois as antigas paredes já indicavam aquilo que devia ser refeito: as ruínas balizavam tudo. Portanto, toda e qualquer ideia chegava à medida do trabalho em progressão. Talvez, por isso, eu providenciei chamar o lugar de “oficina”, baseado na origem da palavra “ofício” (officium, em latim) que quer dizer “trabalho”; local de trabalho, evitando o francesismo atelier. Ao mesmo tempo, há a ideia de uma comunidade, à maneira das coletividades de ofício medievais e renascentistas, onde o mestre e os discípulos trabalhavam em conjunto, a serviço de um só desígnio.”

Francisco Brennand


Circulando entre inúmeras esculturas, painéis e murais, com um misto de perplexidade e encantamento, deparo-me com aquela figura ímpar, barba e cabelos longamente brancos, um senhor do fogo, captando os olhares e as reações das pessoas. Que privilégio! Eu, minha mãe e Wilame Galvão, recebidos pelo próprio artista, que pacientemente contou sua história para três ouvintes atentos:

Elza, Francisco Brennand e Selma, 2015

Segundo filho do casal Ricardo de Almeida Brennand e Olímpia Padilha Nunes Coimbra, desgarrado do lado empresarial dos outros irmãos, nasci no Engenho São João, aqui mesmo no bairro da Várzea, em Recife, no dia 11 de junho de 1927.

Recebi influência de artistas pernambucanos, mas foi mesmo Cícero Dias que ajudou a definir minha trajetória de vida, estimulando-me a ir para Europa junto ao meu pai. Como estava apaixonado por Deborah de Moura Vasconcelos, casamos e partimos para Paris, onde fui estudar pintura. Tocado por uma exposição de Picasso, assumi o compromisso de encarar a cerâmica com seriedade. Durante a estadia em Barcelona, descobri a arte de Gaudí.

Em 1971, depois de voltar da Europa, dirigi-me a meu pai, informando que gostaria de reconstruir a Cerâmica São João, em sua homenagem. A Cerâmica fora fundada em 1917, para fazer telhas e tijolos, mas estava abandonada. Meu pai, meio descrente, concordou na hora e avisou que poderia fazer o que quisesse, contanto que não batesse na porta à procura de recursos.

Decidi fabricar o piso cerâmico e fiz clientela junto aos jovens arquitetos, que o utilizou em muitas casas aqui no Nordeste. Mas a minha verdadeira intenção era povoar o lugar com esculturas, pinturas, painéis e murais. Nascia assim a Oficina Cerâmica Brennand.

Painel de Brennand com texto de Ariano Suassuna, seu amigo de infância

As várias obras de arte ali expostas são resultado da teimosia de um homem, uma quase miragem, de quem enxergava a vida como um enigma, um grande mistério, tendo como desígnio fatal a reprodução. Daí porque se considerava um artista sexual. A presença do ovo como origem e o abuso de expressões das genitálias masculinas e femininas são presenças marcantes em seu trabalho.

Oficina Brennand
Oficina Brennand

O conjunto da obra cria um vasto cenário que deve ser visitado por todo aquele que aprecia arte. Percorrer a Oficina é um ato de deslumbramento, de descoberta, de reflexão.

Tome seu tempo, não tenha pressa, são mais de duas mil peças no acervo, Brennand levou uma vida para produzi-las. Venha e deixe o olhar vagar, mas não queira explicar o inexplicável, o racionalmente incompreensível. Apenas contemple os vários enigmas do artista. Um imenso desejo que se reproduz na perenidade de sua obra.

Francisco de Paula Coimbra de Almeida Brennand faleceu em Recife, na última sexta-feira, dia 19 de dezembro de 2019, aos 92 anos. Deixou como legado um lugar de visitação e contemplação, uma quase miragem, como ele mesmo disse.

Jardim da Oficina Brennand

Francisco Brennand

TESTAMENTO I
O ORÁCULO CONTRARIADO

Aventura final
“Num velho provérbio inglês somos advertidos: “Nunca se explique, nunca se queixe”. Acredito que no fundo não possa me desvencilhar da minha alma de pintor. Tenho a impressão de estar criando com o conjunto de minha obra um vasto cenário, talvez uma cosmogonia, ou então, como diz um crítico pernambucano, uma simples gliptoteca, mas sempre como um pintor. Quem sabe se essas esculturas, relevos, murais, tapetes cerâmicos, anfiteatros, colunadas, construções, lagos, fontes e alamedas não sejam senão o resultado de uma pintura maior? O terrível é que acabo sempre descobrindo que sou eu próprio, tentando explicar o inexplicável, o racionalmente incompreensível.”
Social1 – Francisco Brennand, testamento e morte

Oficina Cerâmica Brennand, por Dronepe
Logo Brennand
Segunda a Quinta: 08:00 às 17:00h
Sexta: 08:00 às 16:00h.
Sábado e Domingo: 10:00 às 16:00h
Feriados nacionais, estaduais e municipais:
Consulta através do telefones: (081) 3271-2466/ 3272-5494

Acesse também: Arquitetura na Rioja e Cerâmica na Paraíba.

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2 comments

  1. Vale a pena aproveitar e visitar, ali perto, na Várzea, o Instituto Ricardo Brennand, digno dos grandes museus europeus.

    1. Ainda não conheci o Instituto Ricardo Brennand, mas vai ser minha próxima parada quando for a Recife. Valeu amigo!

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