Crianças à beira-mar

Numa caminhada matinal quase diária durante o veraneio, sigo beirando o mar, desviando das espumas que ainda insistem em tocar meus pés descalços, enquanto a maré recua, ampliando a faixa de areia para os frequentadores da praia.

Passo apressado para queimar os excessos da temporada. Treino o olhar de fotógrafa, enquanto tento assimilar os quadrantes e transporta-los para o papel de cronista.

Respiro o cheiro do mar, piso na areia molhada, desvio aqui e acolá de pequenas caravelas que encalharam na praia. O sargaço ainda não dominou a extensão da areia, mas salpica de quando em vez o chão lambido pelos restos de pequenas ondas.

Tenho o privilégio de frequentar uma praia tranquila no verão, onde os usuários são poucos e os espaços livres brotam em excesso, embora no ano de 2019 os frequentadores tenham sido bem mais assíduos.

Desvio o olhar da natureza e foco no ser humano aproveitando-a em sua exuberância. Famílias fincam barracas coloridas para se proteger do sol inclemente. A bola vai e vem nas raquetes do frescobol, traços no chão demarcam uma quadra improvisada de futevôlei, mais adiante, pequenas redes delimitam o gol de uma pelada. O pescador solitário segura o molinete, na esperança de uma boa pescaria, que restou infrutífera para os puxadores do mangote.

Não sei o porquê, mas meu olhar fixou-se nas inúmeras crianças que brincavam na areia, num colorido e alegria contagiantes em seus trajes de banho. Biquínis, sungas, chapéus, bonés, óculos solares, camisetas com proteção UVB de todas as cores. Sentadas sob as barracas, mergulhadas em cacimbas cavadas, lambuzadas de protetores solares, carregando “toneladas” de areia na roupa de banho, brincando de castelinhos. Alguns bebês encolhiam os pés ao primeiro contato com a areia, para logo se soltar em gargalhadas nos braços da mãe protetora.

Sem qualquer cerimônia, a menina aproxima-se de uma coleguinha que acabara de chegar. Os olhares desconhecidos logo se tornam íntimos na cumplicidade das brincadeiras. O menino mais afoito corre para o mar, enquanto o pai zeloso antecipa-se ao mergulho desconhecido.

Transportei-me para a época da minha infância praieira, sem protetores solares, despelando do excesso de sol; na ponta do nariz ou nos lábios ressecados e feridos, o cheiro forte do Hipoglós. Lembrei-me dos meus filhos ainda pequeninos, curtindo aquela mesma orla. Encontrei a resposta para minha indagação: estou clamando por um neto ou neta, enquanto os braços e pernas têm força suficiente para repetir as brincadeiras.


O Caderno – Toquinho e Mutinho

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9 comments

  1. Excepcional dona Elza.De fato, nosso interior tem dessas coisas mesmo.E a

  2. Aprática faz a perfeição, é exatamente isso que está acontecendo. Cada texto escrito penso, “que texto fantástico, está perfeito”.
    Só que eu me contradigo a cada novo texto.
    Vou ficar aqui na minha ansiedade esperando o novo texto de amanhã,
    Grande abraço,
    ( texto Crianças à beira-mar)

    1. Oi Luciano! Segundo Zila Mamede, se vc quer escrever, deve praticar todo dia. Vou praticando e despejando para o leitor. Uns dias com mais inspiração, outros menos. Mas parece que meu tempo é curto para conseguir escrever o que penso. Muito obrigada e abração.

  3. Elza… Me vi! Viajei no túnel do tempo, aos veraneios da minha infância , Barra de Maxaranguape, Muriú… e fui trazida ao presente com a caminhada apressada, quase diária ( não em 2019…) e com a sensação que já está chegando a hora de ser avó, pelo mesmo motivo!

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