Diário da Bahia, por Gustavo Sobral

Ilustração de Gustavo Sobral

Gustavo Sobral é escritor, jornalista e ensaísta. Viajou à Cidade de São Salvador e produziu este delicioso texto sobre a capital da Baía de Todos os Santos, ilustrado por belas imagens em preto e branco da colorida metrópole baiana; todas de sua autoria.

Vamos passear com ele pelas ruas e descobrir todo o encanto de Salvador.


Salvador/Bahia por Gustavo Sobral

A Janete

Bahia, o umbigo do Brasil para Jorge Amado. Salvador, cidade que sobe e desce sinuosa, onde até o plano é inclinado e as retas são curvas. Novembro de 2022, calor, chove um pouco, e o Rio Vermelho é tudo.

Bares, botecos, a alegria dos boêmios, a morada dos artistas, casa de Iemanjá.

Ali, paciência é nome de rua e, claro, a beira mar. 200 metros separam dois pontos precisos: o largo da Mariquita do largo da Dinha, os melhores acarajés de Salvador.  O casarão do Sesi ali é um teatro; e a varandinha, um bar.

O bar do França ocupa uma ruela e na porta da igrejinha barroca estão em bronze no banco da praça Zélia Gattai, Jorge Amado e o cachorrinho Fadul. Ali, atenta, Iemanjá, rainha do mar, olha tudo, aguardando 2 de fevereiro, dia de festa no mar.

Salvador/Bahia por Gustavo Sobral

Completo de tudo

O Rio Vermelho ainda tem biblioteca, livraria, mercado do peixe e a Ceasinha com tudo de bom pra comer, beber e levar. Uma lista incluiria mais sorveterias, padarias, galerias, brechós e uma boate que de dia é borracharia ou seria uma borracharia que a noite é boate?

O Rio Vermelho é também uma galeria a céu aberto, aqui e acolá uma escultura como o cachorro de Bel Borba, largo de Dinha.

O hotel mais charmoso é casarão colonial, nome imponente, sonoro, bonito, Catharina Paraguaçu. E quem terá sido? Janelões com vista para o mar e um café da manhã que parece obra de Dona Flor.

Rua Alagoinhas, 33

Casa dos Amados, Jorge e Zélia, escritores, propagadores da Bahia, da literatura, da vida, imortais não só da ABL. Hoje, casa-museu.

Parece que foram ali comprar o pão e voltam já. Está tudo como sempre foi. As sandálias perto da cama, a máquina de escrever sobre a mesa. O Rio vermelho tem tudo, não tem? O Rio Vermelho, por isso tudo, é quase um Vaticano, um estado independente.

Ande, vá ao Pelô, Pelourinho

Tome um transporte. Fique atento aos pertences para melhor apreciar. Uma simpática guarda municipal alertará, sobretudo, às madames: corrente e colares fora do pescoço; celular é na bolsa. Tomando as medidas necessárias: ande. 

O ponto de partida pode ser a Igreja São Francisco puro barroco baiano tudo folheado a ouro e um mergulho no tridimensional em fé, altares e cenas em painéis de azulejo pelas paredes. A Catedral da Sé é outra maravilha em entalhes e monumentalidade.

Ali o famoso padre Antonio Vieira, século 17, ecoou os seus célebres sermões de posse de uma vista magnífica para a cidade baixa. Colado, a Faculdade de Medicina, primeira do Brasil, atitude de Dom João VI em 1808. Hoje, um memorial. 

Salvador/Bahia por Gustavo Sobral

“Se for de paz, pode entrar”

Visite também a Fundação Casa Jorge Amado, museu dedicado à obra do escritor e o que mais quiser.  Quem tem pouco tempo, corre e pega o Elevador Lacerda, vai ver e viver a cidade baixa e o primeiro ponto é o Mercado Modelo.

Acontece que viajante toma outro caminho, desce de carro, serpenteando, vai contornando a Baia de Todos os Santos, a maior em volume de água do Brasil e 56 ilhas. Vai por ali porque segue para o Solar do Unhão, MAM de Salvador.

Construção do século 16, foi engenho à beira-mar com casa grande, capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição (virou museu e a fachada é rococó) e senzala. Tudo hoje é um museu e de arte contemporânea. Tem até chafariz. E do cais pode se avistar o mar.

 O projeto para virar museu foi coisa de dona Lina, a arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi que desenhou o MASP e muito mais, e ali está o seu acervo de arte popular, santos, ex-votos, gamelas, potes, pilões, candeeiros, carrancas, objetos em madeira, pedra, barro e latão.

No casarão, o destaque é a escadaria que ela inventou e dá acesso ao segundo pavimento. Em madeira, vazada, helicoidal, uma obra de arte que impera no espaço desprovido de divisões e tomado por arte moderna.

Salvador/Bahia por Gustavo Sobral

Para Iansã a vida é um eterno recomeço

Pena que no jornal “A Tarde” nada disso é notícia. E tudo acontece até que chega o dia da partida. O país do Rio Vermelho e todo encanto de Salvador, a Bahia, fica para trás como uma lembrança que se deve recordar de cor, sabor e enladeirados pontos de vista.


Salvador/Bahia por Gustavo Sobral – todas as imagens deste post são de sua autoria

Leia também do mesmo autor: Arquitetura Bossa Nova.

Para ler outros escritos de Gustavo Sobral, acesse ou clique aqui: www.gustavosobral.com.br.


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1 comment

  1. Gostei do trocadilho Bahia vs. Baia de Todos os Santos e (baía). Para os mais desatentos torna-se um suplício. Não gosto de Pelô. Me remete a refri e Rai (esse, diminutivo preguiçoso de Raimundo).
    Jornalistas paraenses querem transforma o nome do Mercado Ver-O-Peso em Veropa. Simplesmente VEROPA!!! Pode isso? Dá tanto trabalho pronunciar empregar os nomes e termos corretamente? Se bem que o paraense não dá tanta importância à sua história, aos seus costumes e as suas tradições. É vida que segue.
    Tem um ditado que diz: “Em terra de sapo, de cócoras com ele”. Eu me recuso a me contaminar com essa feitiçaria. Como a do “Morro do Careca” que nunca teve dono nenhum, nem careca nem cabeludo.

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