Entrevista com Marcelo Buainain

Marcelo Buainain – autorretrato

Conheci Marcelo quando estava trabalhando no projeto do meu livro Sertão, Seridó, Sentidos. Procurava alguém que pudesse me ajudar na seleção e tratamento das imagens. No início, ele relutou um pouco em aceitar o trabalho, mas depois que leu as crônicas, topou encarar o desafio. O resultado pode ser visto nas imagens que ilustram o livro.

Mais recentemente, Marcelo dirigiu o documentário “Memórias Roubadas” sobre o trabalho da artista plástica Selma Bezerra, minha mãe. Nesses encontros, fui descobrindo o retratista, documentarista e fotógrafo premiado internacionalmente, que já fotografou celebridades no mundo inteiro.

Marcelo é natural de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, mas escolheu Natal para viver. Soube há pouco que também foi vizinho do poeta Manoel de Barros, o Caramujo Flor, com quem passava tardes jogando conversa fora no seu lugar de ser inútil.

Manoel de Barros por Marcelo Buainain
José Saramago por Marcelo Buainain

Hoje o bate-papo é com ele, Marcelo Buainain.

Elza Bezerra: O fotógrafo revela o mundo por meio de suas lentes, de seu enquadramento. Revele e sintetize um pouco de Marcelo Buainain para meus leitores.

Marcelo: É provável que o fato de estar normalmente por detrás das câmeras, seja fotografando ou gravando, tenha aniquilado a vocação para falar da minha própria pessoa. Prefiro o autorretrato aos selfies, aqueles em geral são produzidos sob uma perspectiva intimista e reservada; ao contrário dos selfies que são mais extrovertidos e mediáticos. Como produtor de imagem opto por falar menos sobre o Marcelo Buainain e revelar mais sobre o meu trabalho.

Elza Bezerra: Você abraçou a fotografia como profissão. No meio do caminho, a deixou de lado pelo universo audiovisual, depois retornou ao mundo daquilo que Sergio Larrain sintetizou: “Fotografar é sair pelo mundo com um retângulo na mão”. Fale um pouco dos dois universos: fotografia e audiovisual.

Marcelo: Fotografia e audiovisual são dois mundos fascinantes. Hesitei muito antes de abraçar o audiovisual porque sabia dos riscos que esta decisão poderia implicar, temia nunca mais ter um retorno à fotografia. O audiovisual tem um poder incrível de abrangência e capacidade de estimular os nossos canais sensoriais, sobretudo a propriedade do áudio por meio das trilhas sonoras, dos efeitos especiais e dos depoimentos realistas nos documentários. Em contrapartida, a fotografia é contagiante em especial pela sua capacidade silenciosa de comunicar através da síntese ou pelo fascinante momento decisivo preconizado com maestria pelo fotógrafo francês Cartier Bresson. Uma vez resolvido essa dicotomia interna – confesso que não é nada fácil – considero-me um felizardo pela oportunidade de orbitar entre esses dois universos que dialogam e se complementam.

Elza Bezerra: Sergio Larrain enviou uma carta ao sobrinho Sebastián Donoso Larrain, falando sobre o mundo da fotografia, na qual aconselha: “Saia para passear… E nunca se force a sair para fotografar! Porque você perde a poesia, a vida que existe nisso. Você adoece. É como forçar o amor ou a amizade; não se pode”. Você concorda com essa afirmação?

Marcelo: Fotografar, para mim, nunca foi um ato de obrigação, pelo contrário! Fotografo porque tenho prazer e me realizo através dele, basta citar que abandonei o quinto ano do curso de medicina porque a paixão e vocação para com a fotografia eram bem maiores do que o difícil exercício do sacerdócio da medicina. Prefiro fotografar a passear, mesmo quando fotografava comercialmente a fotografia era exercida com dedicação, entusiasmo e intensa paixão. É mediante o fotografar que pratico a paciência, a meditação e o autoconhecimento, são nesses fugazes momentos que estabeleço uma profunda conexão como a natureza e com Deus. Instantes que me sinto verdadeiramente vivo, onde encontro a poesia e a plenitude me abastecendo de vida, vigor e saúde.

Elza Bezerra: Como você escolhe os temas do seu trabalho e atiça sua criatividade?

Marcelo: Penso que não há uma fórmula para a eleição dos meus projetos, eles surgem a partir de diferentes motivos e necessidades. Entretanto é perceptível que há pontos de convergência entre eles, vejo que é imprescindível a existência de uma função, seja esta de cunho social, ideológica ou espiritual.

O projeto ÍNDIA QUANTOS OLHOS TEM UMA ALMA, por exemplo, surge a partir da necessidade de uma busca espiritual própria; o filme HERMÓGENES DEUS ME LIVRE DE SER NORMAL nasce a partir do entusiasmo de propagar a história de um grande sábio do Ocidente; o projeto ERA UMA VEZ… materializa imageticamente o importante papel do animal jumento na formação da sociedade brasileira, em especial a do Nordeste.

Elza Bezerra: Fotografia a preto e branco e audiovisual colorido? É assim que você divide seu trabalho ou não existe essa diferença? Como fotografia é essencialmente luz, fale um pouco dessa diferenciação.

Marcelo: A princípio tem sido assim, apesar de que o filme FAMINTOS – ainda em fase de produção – a estética do preto e branco ter sido eleita para a narrativa do personagem principal, o escritor Luís Romano.

Fotografia é sim essencialmente luz, assim como a natureza divina humana. Onde há trevas não há luz e o mesmo se passa com a fotografia. Um dos requisitos para a obtenção da fotografia é a luz, ela é responsável pelo tom da imagem podendo ser suave, dura, cromática, feia ou bela.

Elza Bezerra: Ansel Adams um dia afirmou: “Quando o mundo se tornar confuso, me concentrarei em fotografias. Quando as imagens se tornarem inadequadas, me contentarei com o silêncio”. O mundo atual está repleto de “fotógrafos” digitais, clicando tudo e todos. Como fica a fotografia nessa nova realidade virtual?

Marcelo: Provavelmente essa afirmação do Adams seja o indicativo de que está na hora de concentramos no silêncio… Com o advento e acesso às novas tecnologias, sobretudo do sistema digital, vejo uma conquista na democratização das expressões artísticas e não há dúvida da magnitude deste ganho. Na contramão, é evidente que o mundo está frenético e que as pessoas estão cada vez mais doentes e distantes de si mesma vivendo de fachadas e realidades que não correspondem a sua essência. E aí, respondendo objetivamente a sua pergunta, a fotografia, assim como outras expressões artísticas, hoje é o resultado desse desvairado fenômeno global impulsionado pelas redes sociais prevalecendo como critério likes e dislikes.

Elza Bezerra: Você tem livros publicados, documentários finalizados, premiações internacionais. Com tanto trabalho, quais os projetos para o futuro?

Marcelo: Sonhos e projetos não me faltam…. Gostaria de finalizar alguns projetos iniciados, porém estão inacabados por falta de recursos, entre eles o documentário LUZEIRO que aborda a obra do multifacetado músico, ator e compositor Almir Sater. Ainda na lista dos inconclusos o filme FAMINTOS, documentário sobre o escritor cabo-verdiano Luís Romano que durante décadas viveu em Natal.

Mas como a minha natureza é inquieta e vivo de sonhos e novos desafios, para o futuro estou buscando fórmulas que possam agregar o entusiasmo pelas viagens, fotografia e audiovisual ao motociclismo, a minha nova paixão. Numa espécie de Easy Rider ou Road Movie gostaria de sair por aí, pelas estradas, em busca de personagens anônimos, coletando imagens e estórias que possam nos enriquecer e afagar emoções.


Mais informações sobre o fotógrafo:
www.buainain.com
Instagram: @mbuainain

Todas as fotografias desse post são de autoria de Marcelo Buainain


Marcelo Buainain – Era uma vez
Marcelo Buainain – Krakow – First Encounter

Acesse também: MOKHSA – por Marcelo Buainain

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14 comments

  1. E eu fico aqui no meu cantinho só agradecendo pelas opurtunidades que vc nus traz. Obrigada menina e que derrame mais e mais trabalhos lindos e primorosos.

    1. Gostei da “menina”, kkkk. Pois é, vou aproveitando meu tempo livre pesquisando e escrevendo para compartilhar com vcs leitores. Obrigada amiga.🙏🙏🙏

  2. Fotos belíssimas. Despertou minha curiosidade para conhecer outros trabalhos do artista. Parabéns!

  3. Além de grande amigo e parceiro do motociclismo de aventura, o Marcelo é de uma simplicidade e de uma tranquilidade sem tamanho. Acredito que daí vem a capacidade de enxergar aquilo que poucos vêem e consequentemente “transportar” isso para suas fotografias.
    Um grande professor de cirurgia me disse uma vez que “ a simplicidade é o primeiro passo pra genialidade”, e as fotos do Marcelo clarificam muito bem isso. Fotos geniais retiradas do cotidiano simples das pessoas! Parabéns meu amigo

    1. Oi Marcial, sim os trabalhos de Marcelo são de uma simplicidade genial! As fotografias e documentários captam a essência de cada um.

    2. Excelente entrevista !!! Com perguntas e respostas de alto nível Sempre bom conhecer coisas/pessoas quê acrescentam à nossa vida.

  4. Entrevista e imagens geniais. Apesar dos prêmios recebidos ao longo da caminhada, que não foi nada easy, o talento do Marcelo ainda precisa ser plenamente reconhecido e valorizado. Vejo tanta mediocridade sendo repercutofa na grande imprensa e vejo tantos Marcelos, espalhados pelas periferias do Brasil, com grandes obras prontas para serem reveladas, que fica difícil entender os critérios de exclusão. Um deles certamente é a autonomia e altivez demonstradas na entrevista, traços de um perfil que não deve agradar os editores de páginas de cultura, que adoram uma bajulação. De qualquer maneira, para nossa sorte, a obra dele se espalha e encanta os privilegiados que a ela têm acesso.

    1. Concordo plenamente! Cada vez mais se divulga a mediocridade e os trabalhos valorosos de profissionais do quilate de Marcelo ficam no anonimato. Felizes de nós que temos acesso ao seu trabalho primoroso.

  5. Que a vida possa sempre te encantar e motiva-lo à nos trazer seu olhar carinhoso com ela e que possamos ter a oportunidade de conceber as propriedades ‘medicinais do seu trabalho!
    Grande abraço meu caro.

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