O moleque fazia uma força danada para tocar o búzio, mas seus pulmões careciam de amadurecimento. Larga disso moleque, deixe eu chamar quem não está à distância do grito…
– Ô de casa!
– Ô de fora!
– É de paz…
Pela fresta da porta, viu alguém se aproximando…
Assentada no alto, a casa grande está de janelas e portas abertas para o arejo, menos o quarto das moças, tapado de janelas para fora. Os homens confabulam no copiar e as mulheres se ocupam na sala de trabalhos domésticos. A mesa está posta e pronta à partilha dos que chegarem; amanhã tem casamento na fazenda.
– É casamento arranjado ou de moça fugida?
– Olhe o cabimento, seu moleque atrevido! Você vai já para escola, está precisando desasnar com uma boa palmatória.

Os diálogos acima são inspirados no livro “Velhos costumes do meu sertão”, de Juvenal Lamartine de Faria, que justifica a sua obra na urgência em fixar “com fidelidade, de como viviam nossos antepassados, a fim de que as gerações futuras possam conhecê-los e compreenderem melhor a sua evolução”.
O livro reúne os artigos publicados na Tribuna do Norte, no último trimestre de 1954, que descrevem com exatidão a região da caatinga, povoada no rastro do gado. A apresentação é de seu filho, o sertanista e imortal Oswaldo Lamartine de Faria.
Dr. Juvenal descreve os currais, a casa grande, a indumentária, a alimentação, a escola, os instrumentos de trabalho, as relações de parentesco, a hospitalidade desse povo, as festas, as crendices e superstições, os vaqueiros e vaquejadas, os cangaceiros, os matadores de onça, a morte e o sepultamento, no universo do sertão de antigamente.
A obra literária traz à tona a lembrança dos fatos narrados de boca em boca nas conversas do copiar ou na pausa do balanço das redes no alpendre; imperdíveis para que ama o sertão de nunca mais.
Como adendo à resenha, é sempre bom não esquecer que, graças ao então Senador Juvenal Lamartine de Faria, sob influência da cientista Bertha Lutz, as mulheres saíram da sala de trabalhos domésticos e passaram a participar das conversas do copiar (exclusivas do universo masculino).
Por sua iniciativa, o voto feminino foi instituído no Estado do Rio Grande do Norte, de forma pioneira no Brasil e na América do Sul. A Lei Eleitoral Estadual nº 660, de 25 de outubro de 1927, sancionada pelo Governador José Augusto Bezerra de Medeiros, permitiu a todos os cidadãos, sem distinção de sexo, a possibilidade de votar e ser votado.
Ainda em 1927, a professora Celina Guimarães Viana, aos 29 anos de idade, foi incluída no rol de eleitores da cidade de Mossoró; e, em 1929, também no Rio Grande do Norte, Alzira Soriano tomou posse como Prefeita eleita da cidade de Lajes. O pioneirismo potiguar não parou por aí. Em 1934, Maria do Céu Fernandes, nascida em Currais Novos, tornou-se a primeira mulher brasileira a ocupar o cargo de Deputada Estadual.
Juvenal Lamartine de Faria in Velhos costumes do meu sertão:
“Assentada no alto – para melhor aproveitar a fresca dos ventos e oferecer posição mais vantajosa quando dos ataques de cangaceiros – era de construção sóbria, alpendrada, de duas águas e levantada com madeira, pedra, tijolo e telha da própria fazenda. Não oferecia a beleza artística dos casarões do açúcar, de grades de ferro-trabalhado e arabescos de argamassa e pedra. Nenhum enfeite transparecia de sua arquitetura e seu conforto maior parecia residir no frio das lajes do alpendre ou na carícia da rede armada no quarto do sótão. De ferragens grosseiras – chaves que, algumas vezes, mediam um palmo. Em muitas, os próprios armadores das redes eram de madeira. As janelas de duas bandas quase sempre se fechavam em traves”.
Leia também: Pioneirismo do voto feminino no Rio Grande do Norte, Os Brutos – Resenha, Permanente robustez, Sertão, Seridó, Sentidos.