Velhos costumes do meu sertão – Resenha

O moleque fazia uma força danada para tocar o búzio, mas seus pulmões careciam de amadurecimento. Larga disso moleque, deixe eu chamar quem não está à distância do grito…

– Ô de casa!

– Ô de fora!

– É de paz…

Pela fresta da porta, viu alguém se aproximando…

Assentada no alto, a casa grande está de janelas e portas abertas para o arejo, menos o quarto das moças, tapado de janelas para fora. Os homens confabulam no copiar e as mulheres se ocupam na sala de trabalhos domésticos. A mesa está posta e pronta à partilha dos que chegarem; amanhã tem casamento na fazenda.

– É casamento arranjado ou de moça fugida?

– Olhe o cabimento, seu moleque atrevido! Você vai já para escola, está precisando desasnar com uma boa palmatória.


Juvenal Lamartine de Faria (1874-1956), pintado por Moura Rabelo

Os diálogos acima são inspirados no livro “Velhos costumes do meu sertão”, de Juvenal Lamartine de Faria, que justifica a sua obra na urgência em fixar “com fidelidade, de como viviam nossos antepassados, a fim de que as gerações futuras possam conhecê-los e compreenderem melhor a sua evolução”.

O livro reúne os artigos publicados na Tribuna do Norte, no último trimestre de 1954, que descrevem com exatidão a região da caatinga, povoada no rastro do gado. A apresentação é de seu filho, o sertanista e imortal Oswaldo Lamartine de Faria.

Dr. Juvenal descreve os currais, a casa grande, a indumentária, a alimentação, a escola, os instrumentos de trabalho, as relações de parentesco, a hospitalidade desse povo, as festas, as crendices e superstições, os vaqueiros e vaquejadas, os cangaceiros, os matadores de onça, a morte e o sepultamento, no universo do sertão de antigamente.

A obra literária traz à tona a lembrança dos fatos narrados de boca em boca nas conversas do copiar ou na pausa do balanço das redes no alpendre; imperdíveis para que ama o sertão de nunca mais.

Como adendo à resenha, é sempre bom não esquecer que, graças ao então Senador Juvenal Lamartine de Faria, sob influência da cientista Bertha Lutz, as mulheres saíram da sala de trabalhos domésticos e passaram a participar das conversas do copiar (exclusivas do universo masculino).

Por sua iniciativa, o voto feminino foi instituído no Estado do Rio Grande do Norte, de forma pioneira no Brasil e na América do Sul. A Lei Eleitoral Estadual nº 660, de 25 de outubro de 1927, sancionada pelo Governador José Augusto Bezerra de Medeiros, permitiu a todos os cidadãos, sem distinção de sexo, a possibilidade de votar e ser votado.

Ainda em 1927, a professora Celina Guimarães Viana, aos 29 anos de idade, foi incluída no rol de eleitores da cidade de Mossoró; e, em 1929, também no Rio Grande do Norte, Alzira Soriano tomou posse como Prefeita eleita da cidade de Lajes. O pioneirismo potiguar não parou por aí. Em 1934, Maria do Céu Fernandes, nascida em Currais Novos, tornou-se a primeira mulher brasileira a ocupar o cargo de Deputada Estadual.


Juvenal Lamartine de Faria in Velhos costumes do meu sertão:

“Assentada no alto – para melhor aproveitar a fresca dos ventos e oferecer posição mais vantajosa quando dos ataques de cangaceiros – era de construção sóbria, alpendrada, de duas águas e levantada com madeira, pedra, tijolo e telha da própria fazenda. Não oferecia a beleza artística dos casarões do açúcar, de grades de ferro-trabalhado e arabescos de argamassa e pedra. Nenhum enfeite transparecia de sua arquitetura e seu conforto maior parecia residir no frio das lajes do alpendre ou na carícia da rede armada no quarto do sótão. De ferragens grosseiras – chaves que, algumas vezes, mediam um palmo. Em muitas, os próprios armadores das redes eram de madeira. As janelas de duas bandas quase sempre se fechavam em traves”.

Leia também: Pioneirismo do voto feminino no Rio Grande do Norte, Os Brutos – Resenha, Permanente robustez, Sertão, Seridó, Sentidos.

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