Paixão feminina. Ops, sapatos

Foto capturada no aplicativo Pinterest

Não sei bem explicar, mas posso até tentar. Longe de teorias complexas e explicações mirabolantes, o fato é que basta uma vitrine bem montada, cores adequadas e modelos perfeitos, para que o olhar se sinta atraído (mesmo quem não é afoita a compras cai em tentação). É fascinação pura.

Se você quer agradar o público feminino, fazer a média com sua namorada, mulher ou amiga, dê-lhe um belo par de sapatos. O presente pode até não dar certo – sem problema – será um motivo a mais para ir até à loja, provar novos tamanhos, alturas ou formatos. Dificilmente a presenteada sairá da loja apenas com o modelo da troca.

Às vezes, fico pensando com os meus botões: na história da humanidade, o calçado foi um utensílio fabricado pelo ser humano para lhe dar mais independência. Afinal, permite cruzar terrenos acidentados, escalar melhor uma montanha, enfrentar o frio e a neve, percorrer caminhos mais distantes. Vai ver que essa independência empodera as mulheres…

O utensílio evoluiu, passou a ser artigo de luxo, objeto de desejo de mulheres e homens mundo afora, que o diga Luís XIV. Baixinho, adotou o salto que se consolidou na época de seu bisneto Luís XV.

O exagero consumista e o dinheiro fácil atingiram Imelda Marques, mulher do ex-ditador Ferdinando Marques, afastado do Poder nas Filipinas sob acusações diversas, entre elas a corrupção. Seu guarda-roupa alojava mais de três mil pares de sapatos de luxo; não foi para guilhotina, mas recebeu o apelido de Maria Antonieta. Essa sim, foi decapitada pela Revolução Francesa, em nome dos ideais de igualdade, fraternidade e liberdade.

As meninas, ainda em fraldas, ensaiam passos desajeitados nos sapatos das mamães. Subir no salto eleva a moral. A menina-moça passa a ser quase uma mulher. Nos meus quinze anos, posei de sandália alta, de salto fino, equilibrando-me com ares de adulta.

Não era nenhuma Cinderela, porém gostava de contos infantis. Não tínhamos a magia do sapato de cristal e nem as badaladas do relógio à meia noite desmanchando o encanto, mas festa só depois de quinze anos.

Sandálias de salto fino eram usadas com meias lurex, lotando as pistas das discotecas dos anos 70. No dia a dia, nada melhor do que o All Star (que tem até música própria), objeto de desejo de gerações de adolescentes, enquanto novas gírias eram introduzidas no vocabulário próprio da idade.

Hoje os formatos, cores, materiais e alturas de saltos são variados. Marcas de luxo e renomes mundiais lançam coleções a cada estação, ditando moda e inovando no nome dos modelos e cores dos sapatos.

Atendendo ao mercado endinheirado da China e Rússia, exageram nos detalhes e enfeites. Mas para ser emergente, tem que aparecer. As vitrines enchem-se de sapatos chamativos. Tudo para atender à clientela que gosta de esbanjar e chamar atenção.

Para mim, classe e luxo mesmo era Gabriella Pascolato, amiga pessoal de Salvatore Ferragamo, que fabricava sapatos exclusivos para ela, com base nas suas medidas personalizadas, unindo beleza e conforto.

Mesmo baixinha, já passei da fase do salto alto. Hoje privilegio o conforto. Quem me dera um Ferragamo exclusivo! Termino optando por modelos que perdem em beleza, mas ganham em liberdade. Nunca esqueço o costume antigo das mulheres chinesas, que tinham os dedos quebrados e os pés amarrados por longos e torturantes anos, só para alcançar o ideal de beleza de pés em formatos de flor de lótus – garantia para um melhor casamento.   

Ainda bem que o mundo evoluiu e a mulher pode escolher casar ou não casar, com salto, sem salto e até descalça.

Com o passar dos anos e o amadurecimento esperado, prefiro a companhia dos velhos e surrados amigos calçados, que confortam, abraçam, não deixam calos e amoldam os pés para a longa estrada que ainda tenho a percorrer.


Caminhos – Zila Mamede

Imersos meus pés na fonte
Para os sapatos calçar,
Os sapatos se quebraram
E os somente pés, intactos,
Já não pensam caminhar.

Sapatos quase vermelhos
(Abril fizera-os de branco).
Agora dois rostos negros
Conduzem meus pés medrosos
Pelas ruas sem lirismo
E becos que não têm mar.

Seis retângulos dispersos
Prendem meus pés matinais.
As estrelas me libertam

E meus pés, nus, me acompanham
Nos rios abandonados
Onde flores se envenenam,
Onde, estéreis, meus limites
Vão chegando sem chegar.

Que cores me aniquilando?
Que tintas serão meus pés
No final dessas andanças, Nas marcas que eu não deixar?

Tripulantes decompostos
Da vida que não vivi,
Se afogam meus pés comigo
Em luas desarvoradas,
Em nortes sem girassol.

Cássia Eller – All Star – música de Nando Reis

Museus no mundo dedicados ao sapato:

Bata Shoe Museum – Toronto, Canadá.

Musée da la Chaussure – Romans-sur-Isère, França

Museo Salvatore Ferragamo – Florença, Itália

Marakina Shoe Museum – Manila, Filipinas (possui alguns dos pares de Imelda Marques expostos).


Acesse também: Piquenique, Celebrando a vida, Sonhando juntos.

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