Efeito polarizado

Foi em um mergulho nas águas salgadas que conheci as lentes polarizadas. Desfrutava da companhia do meu filho e minha nora no embalo das ondas suaves – água morna e maré morta –, quando ele me apresentou os benefícios de seus novos óculos solares. Indaguei qual a diferença entre as minhas lentes e aquelas. Ele me ofereceu para experimentá-las e eu pude constatar que aquele brilho incessante e ofuscante sobre o mar sumiu num piscar de olhos.

De imediato, achei a invenção interessante, porque excluía da visão os reflexos do sol sobre a água. A cor ofuscada pelo brilho intenso sumiu para dar lugar a um verde límpido, despido de qualquer reflexo.

Pensando mais a vagar, a sensação que tive é que o Photshop tinha limpado alguma impureza do olhar. Faltava algo na visão registrada da memória. Para onde tinham ido aqueles lampejos incandescentes do sol em pleno meio dia?

Lidando com fotografia, me vieram à mente as suas correções e retoques. No plano do ser humano, as inúmeras cirurgias plásticas que dominam todas as gerações do presente. Corrigir narizes, retocar rostos, esticar pescoços, aumentar seios, diminuir barriga, reduzir quadril, calibrar glúteos, injetar panturrilhas. Enfim, toda parte do corpo tornou-se passível de modificações.

Padrões de beleza massificam-se. No corte e cor de cabelo, no redesenho de sobrancelhas, no alongamento e volume dos cílios, na redução de bochechas, maxilares salientes, extração de costelas, novos conceitos de beleza. Tudo em nome de equalização de corpos e rostos, sentido inverso do “Vive la différence”.

Serão efeitos polarizados em corpos e mentes? A tecnologia aplicada aos óculos gera imagens muito mais nítidas e olhos mais protegidos. Padrões de beleza produzidos criam uma necessidade de adesão a novos conceitos. Quando atingidos, elevam a autoestima. Excluem-se imperfeições, feições ou traços que não agradam ao olhar.

E meu corpo flutuando na corrente da maré, de olhos fechados, pensando no duelo entre os reflexos ofuscantes e a limpidez das cores filtradas.


Acesse também: Rituais cotidianos e Pausa para recarregar

Rita Lee – Saúde

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2 comments

  1. Janaína de Lima Farias Bezerra disse:

    Elzinha, as pessoas sempre foram meio contraditórias. Característica indissociavel do ser humano. Tendem a lhe dar um conselho sensato, de aceitação, principalmente de que o natural é o bonito, mas, no fundo, terminam seguindo um certo padrão. Talvez receio de ser diferente. Bobagem! Só existe o arco íris porque existe a diversidade de cores. De toda forma, bom mesmo é sermos nós mesmos, fazendo exatamente aquilo que nos dá prazer! Com ou sem lentes polarizadas! Risos… Parabéns pela crônica.

    1. E viva a diferença! O bonito da vida é mesmo a diversidade, mas o bom mesmo é fazer o que dá prazer. Para mim, está sendo um prazer escrever essas crônicas. Obrigada amiga!

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