Acomodei o neto no braço e verti a mamadeira. Ele agarrou-a serenamente, enquanto bebia o líquido branco de um fôlego só. Os pezinhos batendo levemente na madeira do braço da poltrona, no ritmo da sugada.
Olhava para mim com os olhos de jabuticaba; olhar de pureza e vivacidade. Lembrei de quando amamentei meus filhos. Não nessa poltrona, mas naquela cadeira de balanço da Gerdau, que embalou várias gerações.
A da minha sala também tem história; aliás, são duas poltronas. Legado de minha avó Yvete, que nasceu na terra dos engenhos, mas adotou o Seridó como chão. Num gesto delicado e carinhoso de minhas tias Zorilda e Dulcinha, recebi duas cadeiras Kilin, que testemunharam as conversas na casa icônica dos anos 50 da Avenida Hermes da Fonseca, em Natal/RN, hoje existente apenas na memória afetiva dos que lá frequentaram.
Agora tenho um pedaço do seu mobiliário em meu lar. Recebi as poltronas necessitando de restauro. O couro dos anos 70 não resistiu à ação do tempo. Encontrei nas mãos de Paulino a pessoa indicada para trocar a sola. O cheiro do couro invadiu minha sala.
A poltrona Kilin, do designer brasileiro Sergio Rodrigues, foi batizada em homenagem a sua mulher Vera Beatriz, chamada carinhosamente de “esquilinha”. Um desenho arrojado, as formas e os encaixes da madeira nobre e bem modelada, o couro flutuando no ar e feito de forma a moldar e abraçar o corpo.
Para Sergio Rodrigues “o bom design une estética, ergonomia, conforto, custo e originalidade. Um toque cultural é também essencial. E boas pitadas de ousadia são sempre bem-vindas.”
Suas palavras ressoam na ergonomia da poltrona. O couro abraça o corpo e carrega um toque cultural, transporta-me para o sertão encourado, para a caatinga desbravada a ferro e gado, no rastro da dominação dos tapuias, para fixar o homem branco no Seridó, fugido das perseguições do catolicismo que se tornará seu manto de fé.
Estou construindo o meu cantinho na sala com uma pitada de ousadia. Porque um lar se constrói aos poucos, reunindo referências, lembranças de momentos marcantes, peças que refletem os seus moradores e suas histórias.

Sobre os livros, uma quartinha de cabaça revestida de couro – mais parece uma escultura -, para beber água e matar a sede de conhecimento. Agora só falta a prateleira que vai tomar toda a parede, para compor meus objetos com lembranças e admiração por arte.
De preferência, com um quê de perpetuidade da história da família!

Leia também: Aconchego, Mestre Espedito Seleiro, A surpreendente arquitetura de Roterdã, Entrevista com Lins Arquitetos.
2 comments
👏👏👏👏👏Seu cantinho Elzinha, certamente vai fazer vc se transportar para seu mundo imaginário e nós é que vamos lucrar com muitas crônicas…… 🥰🥰🥰
Sucesso!!!!!
Oi Mirna, construindo meu cantinho com as referências e memórias, assim como seu apê, que tem a sua cara.😘😘