Queijos em competição

Além de alimentar o rebanho, o leite das vacas, cabras e ovelhas transforma-se em queijos de variados sabores. Essa rica fonte de proteína, que remonta à domesticação do animal pelo homem, alimentou soldados e atletas egípcios, gregos e romanos. Na atualidade, países ganham fama como produtores dessa iguaria, que faz parte da alimentação de grande parte da humanidade.

A França, com quase mil tipos de queijos, ocupa o primeiro lugar no consumo mundial. Os Países Baixos e a Alemanha ficam um pouco atrás. Todos eles consomem entre 26kg e 24kg de queijo por habitante/ano, conforme dados do CNIEL (Centre National Interprofessionnel de l’Economie Laitière).

Com tanta variedade desse alimento no mundo, a competição pelo melhor produto tornou-se inevitável. No início desse mês, o International Cheese Festival anunciou o vencedor da edição 2021/2022. Na competição internacional de queijos mais reconhecida da Europa, sediada em Oviedo, nas Astúrias, duzentos e cinquenta juízes internacionais avaliaram quatro mil queijos dos cinco continentes.

Os três primeiros lugares ficaram para Espanha, França e Holanda, respectivamente: Olavidia de Quesos y Besos, seguido por Epoisses Berthaut Perrière da Fromagerie Berthaut, e Eminence Grise – Tomme Chèvre Grise au Bleu de Van der Heiden Kaas.

O queijo Olavidia é feito da forma de fermentação mais antiga: o uso das bactérias lácticas presentes no leite, que atuam sobre a lactose (açúcar do leite) e degradam o ácido láctico. Utiliza a pasteurização lenta do leite de cabra, com bolor e carvão vegetal, em processo de maturação que dura de 15 a 20 dias.

Olavidia – 1º lugar do International Cheese Festival 2021-22
QUESOS Y BESOS ARTESANOS DE SIERRA MORENA

Nascido há 500 anos na Borgonha, o Epoisses é um queijo único, feito com leite de vaca, macio, com a casca lavada. Com 24% de gordura, é refinado e esfregado com Marc de Bourgogne (bebida francesa feita da prensagem das cascas, polpa e sementes que sobram depois que as uvas são processadas em vinho). Sua cor laranja marfim a vermelho tijolo deve-se a bactérias de superfície; o uso de corantes é estritamente proibido. Robert e Simone Berthaut ressuscitaram uma receita centenária e tornaram o Epoisses Berthaut Perrière campeão de sabor.

Epoisses Berthaut Perrière – 2º lugar do International Cheese Festival 2021-22

O queijo Eminence Grise – Tomme Chèvre Grise au Bleu, é um Gouda curado, cremoso, que combina o melhor de duas nações produtoras. O queijo é feito em solo holandês e, em seguida, amadurecido em uma caverna francesa. O clima de maturação natural deste local único dá ao queijo de caverna francês um sabor excepcionalmente suave e completo, levando pelo menos seis meses para amadurecer.

Eminence Grise – Tomme Chèvre Grise au Bleu – 3º lugar do International Cheese Festival 2021-22

Aqui no Nordeste brasileiro, especialmente no Sertão, desbravado graças ao gado bovino, os queijos de manteiga e de coalho (feitos de leite de vaca) sedimentaram-se na mesa do sertanejo. O queijo de manteiga atual, embora não tenha a pureza do original (quando suportava de um ano para outro sem mofar nos garajaus), é o meu preferido. Campeão no consumo aqui em casa, é servido quente com o cascão para dar o toque final.

Enquanto os queijos campões devem ter suas receitas guardadas a sete chaves, encontro no livro de Oswaldo Lamartine (citando Pery Lamartine) a receita original do nosso saboroso queijo de manteiga. Siga o passo a passo e produza seu próprio queijo, mas tem que ser feito com leite puríssimo, recém-ordenhado!


Receita do queijo de manteiga – campeão nordestino

Oswaldo Lamartine de Faria, in Sertões do Seridó (1980), pág. 68:

A tradição e a fama do queijo-de-manteiga, correndo de ribeira em ribeira, fez com que fosse também apelidado de queijo do Seridó ou do sertão. A receita diz que, por lá, fazem-no assim:

a) Deposita-se o leite cru, recém-ordenhado, em vasilhas de barro para coalhar pelo processo natural – o que leva de 8 a 10 horas;
b) A coalhada assim obtida é colocada em um saco de algodãozinho e pendurada durante umas três horas a mais, a fim de escorrer o soro;
c) A coalhada-escorrida é depositada em um tacho e batida até atingir uma consistência pastosa;
d) A ela se faz juntar leite cru, em proporções adequadas, mexendo-se continuamente para que solte o creme-espumoso que boia e é recolhido com uma cuia para depois ser apurado no fogo e transformar-se em manteiga líquida;
e) A mistura da coalhada-batida com o leite é levada ao fogo brando para “juntar”, ao mesmo tempo que se recolhe o creme que sobe na superfície líquida;
f) Quando a coalhada “junta”, toma a consistência de massa de pão e separa-se num todo da mistura de leite cru e coalhada – restando no tacho um líquido esverdeado, soro-de-queijo, do qual mais tarde é retirada toda a gordura para a fabricação da manteiga (juntamente com o creme citado nos itens d e e);
g) A coalhada “junta” é retirada do fogo, com ajuda de uma cuia e botada para escorrer em uma urupema que cobre a boca de um alguidar grande;
h) Depois de escorrida espreme-se, manualmente, e separa-se a coalhada em pedaços para ser salgada, a gosto do fabricante;
i) É, em seguida, esquentada a fogo-brando, na manteiga, onde permanece até virar uma massa uniforme, de coloração própria, sendo no tacho deixada a fim de receber uma boa fervura para que fique cozinhada por igual;
j) Retirada do fogo é colocada nos cinchos, operação feita com ajuda de pequenas cuias; no cincho é deixada ficar pelo menos uns dois dias, quando consistente e indeformável (já queijo), é retirado e consertado com ferro quente – para criar cascão e tomar boa aparência”

Explica a receita que uma lata (18 litros) de leite cru dá ¼ de coalhada-escorrida que carece de ½ lata de leite cru para “juntar” e mais uma garrafa de manteiga (tamanho cerveja) para cozinhar – produzindo, essas ditas medidas, por volta de uns 2,5kg de queijo de manteiga.
Queijo de Manteiga surpreende franceses

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