A escalada da Pedra da Boca

Das janelas de nossa casa, a pedra colossal é um convite permanente ao olhar contemplativo ou, quem sabe…, uma provocação para chegar até a boca escancarada.

Aquele fim de semana era diferente. Família reunida para percorrer caminhos desconhecidos para alguns e terra batida para outros. A noite da sexta-feira foi um aperitivo das belezas do lugar.

Friozinho gostoso, sentados ao redor do banco onde papai cruzava as pernas e fumava seu cigarrinho. Mamãe, seus dois filhos e sua filha, genro, nora e um casal de amigos; família quase completa, faltando a terceira e quarta gerações. Reunião em um altar de estrelas com cidades em luzes se jogando para ver a flor do sorriso se abrir, como diria Gil.

Sábado de chão a percorrer, trilhas de encantos e descobertas, explorando o inimaginável, desafio da tirolesa – só dois tiveram a coragem – os demais permaneceram em terra firme.

Depois do almoço, uma esticada até a Paraíba para rever um casal de amigos queridos. Corpos exaustos descansaram para o desafio de domingo: subir a Pedra da Boca, no Parque Estadual em Araruna/PB, divisa com o Rio Grande do Norte.

Nove horas da manhã. Na porteira, o guia Maciel – filho de Seu Tico, o precursor da região – e um grupo de doze pessoas aguardavam os sete últimos aventureiros.

A trilha começa com poucas conversas e risadas contidas. O mais pesado fica na berlinda, por estar acima do recomendado – o que não deve ser problema, pois o guia o supera nesse quesito.

Água para hidratar. O auxílio das mãos em vários trechos ajuda a enfrentar as partes escorregadias; calçados adequados são fundamentais, não ausência deles, melhor não ficar descalço. O rochedo mostra o porquê de sua permanência.

“Bom conselho desprezado há de ser muito lembrado”, diz o provérbio português. Mesmo alertado, um integrante da turma fica descalço e abre logo um enorme calo. Volta para os tênis e o esforço da escalada exige mais atenção. Todo cuidado é pouco; brincadeiras somente nos intervalos para descanso, qualquer risada pode desconcentrar os escaladores.

No meio do caminho, a turma já estava entrosada e solidária, cada um ajudando como pôde, porque visto de baixo o monólito parece fácil, mas a subida é difícil. Antes de chegar ao topo, dois trechos exigem o auxílio da corda, melhor não olhar para baixo.

O percurso de aproximadamente 1km de extensão tem elevação máxima de 377m. Chegar até a grande boca de pedra é um alívio, mas a tensão não se acaba, porque o declive da gruta exige constante aderência. Lembrei dos andorinhões errantes pendurados de cabeça para baixo na gruta do Bico da Arara na fazenda Ingá.

Para ficar ainda mais emocionante, colocaram um pêndulo preso no lábio superior da boca, de onde os corajosos se jogam no ar! Do nosso grupo, apenas dois voaram alto! Outros tantos se aventuram na brincadeira, enquanto os demais permanecem agarrados na contemplação da paisagem, imersão na natureza, uma espécie de oração, pensamento em voo livre, sonhos soltos – tangíveis ou não –, a fé na força do tempo.

Hora de descer. Maciel apresenta um caminho mais leve, alternando pedras, terra e vegetação. Joelhos exigidos, olhos nos rastros, troncos salvadores, muita conversa, riso solto e uma sensação de alívio à medida que o nível do mar se aproxima.

No final, a despedida do grupo: o aperto de mão de um dos integrantes parabeniza o “gordo” da turma e o “senhor de cabelos brancos” por enfrentarem bravamente a aventura. Mal sabia que o “senhor” chega a pedalar 200km em um único dia!

Retornamos para casa, onde o almoço nos aguardava. Cansados, aliviados da tensão, mas com a sensação de superação do desafio. Registro na memória de um fim de semana de gratidão: vivido, sentido, curtido, feliz!


Mário Quintana

Diário de Viagem

O poeta foi visto por um rio,
por uma árvore,
por uma estrada…

Acesse também: Noite na serra, Serra de São Bento, Macambira e cajás, A simplicidade de um dia de domingo.

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4 comments

    1. Oi Carlos! Nessa não, porque é muito aberta, mas tem outra trilha onde se encontra morcegos nas cavernas.

  1. Bacana Elzinha!
    Esse lugar é mágico, lindo demais. Conheço mas nunca subi na pedra da boca. Com essa leitura, também subi com vocês. Agora me sinto na obrigação de realizar essa aventura pessoalmente. Parabéns! 😘

    1. Oi Hilda, essa região é cheia de lugares mágicos e belos. A subida da Pedra da Boca é uma aventura para quem gosta de natureza como você. Não deixe de ir. Obrigada, beijos!

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