Sabores da terra

Um fim de semana junto à natureza é capaz de revigorar qualquer espírito recolhido ao isolamento. E lá fomos nós para a casa da serra, onde minha sogra e suas primas fogem da pandemia.

Fomos recebidos com os sabores da terra. Aqueles que dão água na boca e nos levam de volta ao tempo de infância, quando nos deliciávamos com as primeiras colheitas do mês de abril na fazenda enverdecida.

O cheiro do café inundando a sala, enquanto é passado na cozinha contígua para aguçar a vontade de sentar-se à mesa, jogar conversa fora e comer o pão recife assado na manteiga da terra, lambuzado com geleia de goiaba, feita com a água que cozinhou os umbus – vermelha, transparente, de consistência firme.

Umbu cozido transformado em umbuzada, feita com leite puro, sem pasteurização ou outro processo que lhe suprime o gosto adocicado. Do leite também saboreamos a coalhada adoçada com raspa de rapadura, daquela de causar atoleiro em Ojuara ao chegar a São Saruê. Para não haver desperdício, a nata da coalhada é batida com sal e transformada no delicioso requeijão para passar no pão. O croissant da Paris Panificadora (em Passa e Fica) oferecendo um certo ar de sofisticação.

No dia seguinte, o almoço tinha feijão macassar temperado com nata, torresmo bem sequinho e coentro da horta, tudo em nome do distanciamento dos botões em época de quarentena; difícil fazer com que permaneçam juntinhos. Mais um dia e o feijão verde, plantado ali mesmo e debulhado ao redor da mesa, com as bacias aparando as conversas, antes do cozimento e do fartar-se.

Melhor sair para dar uma volta. De carro fomos à Pedra da Boca e nos deparamos com cajaranas cobrindo de amarelo a estrada carroçável que circunda os maciços de pedra, parando para provar os cajás recolhidos do chão. Mais tarde, teve suco relembrando o passeio de Macambira e cajás, mas a vontade de repetir a dose permanece anualmente.

Para continuar nessa pisada, melhor caminhar um pouco. Vã tentativa de minorar o pecado da gula, a balança vai me denunciar. Sol a pino (quase meio dia), hora boa para assimilar a vitamina D, passo apressado para fugir das mutucas, pele transpirando os excessos culinários.

Diversidade de insetos nos rodeando, abelhas polinizando as flores, mato crescendo em abundância, um jardim natural para alegrar o olhar. Roçados trabalhados, revolvendo o solo que nos dá sustento. Perfumes de vida que se traduzem em homenagem ao dia mundial da mãe terra.

Agora só falta enfrentar a pandemia, dominar a doença que inquieta a humanidade, mas aquieta a natureza e torcer para aproveitar o mês de junho com gosto de Fazenda em festa.


Quem sabe isso quer dizer amor | Carlos Otto convida Mari Xavier
(música de Lô e Márcio Borges)

Para quem leu, vai entender São Saruê; para quem não leu, procure ler: As Pelejas de Ojuara, de Nei Leandro de Castro; ou assista ao filme: O homem que desafio o diabo.


Acesse também: Sob as sombras das árvores, Herança saborosa e Efeito sanfona.

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2 comments

  1. 👏👏👏👏muito linda sua descrição de nosso maravilhoso final semana….quando crescer vou pedir ao Deus maior um pouco de sua sabedoria….. kkkkk bjs

    1. Deus preferiu que eu fosse baixinha (kkkk), mas me deu o dom para escrever. Vou aproveitar para descrever esses momentos prazerosos com pessoas de bem querer.🙏😘😘

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