Um exalar de paz

Certa vez, numa aula de inglês, o professor pediu para os alunos escreverem sobre um momento de paz. Podia ser qualquer tipo de paz; eu escolhi falar sobre um cenário de uns anos atrás. Não é tarefa fácil descrever esse momento, ainda mais em língua estrangeira, mas não me furtei ao desafio.

Rapidamente me transportei para uma cadeia de montanhas, com cumes de neve, final da tarde na varanda de um hotelzinho charmoso, junto ao meu marido, casinhas de madeira espalhadas num tapete verde ondulado, com chaminés exalando uma fumaça aquecedora, enquanto luzes traspassadas das janelas anunciavam o fim do dia. Uma cena que ficou guardada bem no fundo da memória como um momento de paz. Tarefa cumprida.

Em outra ocasião, viajei com meus filhos e uma tia ao Peru fascinante, para visitar Machupicchu e satisfazer o desejo daquela famosa lista de lugares para conhecer antes de morrer. No início da tarde, chegamos ao hotel junto à entrada do parque nacional. A arquitetura do lugar misturada à paisagem natural formava uma simbiose perfeita. Um passeio por uma pequena trilha e a vista descortinando as montanhas levemente cobertas por nuvens nos elevaram às alturas.

Sem precisar ir muito longe, aqui mesmo em nosso Estado, construímos uma casa na serra com vista privilegiada. Quando o dia se despede, é hora de encontrar a paz. O silêncio é quebrado pelo retorno das aves ao refúgio dos ninhos. Uma cigarra ecoa incansável, mais adiante a rã martela um sonido repetitivo.

O sol se põe por trás de uma torre de chuva para as bandas do sertão. A luz ameniza a intensidade e uma calma inunda o cair da tarde. O vento espalhando a queda da temperatura, temperando os pensamentos inebriados por pequenos pontos de luz no horizonte.

No alto, um pássaro plana solitário, assim como solitário é o momento de oração. As luzes começam a pincelar a paisagem, anunciando a chegada da noite. Um mugido de gado ressoa ao longe, indicando o recolhimento ao curral.

De repente, um coro de cigarras rompe o silêncio. O pássaro continua planando ao longe, na espreita de sua presa. As nuvens brancas vão perdendo as cores. O verde esmaece e o calar da voz invade a visão. Uma sensação de quem chegou aos céus.

Continuo sentada em contemplação, disputando com o pássaro quem vai se recolher primeiro. Difícil descrever esse flutuar, o aspirar profundo de ar puro e um exalar de paz.

Descobrir que ela pode ser encontrada em qualquer lugar, solitária ou na companhia das pessoas de bem querer. Para mim, um estado de espírito sempre abraçado pela natureza.


Elis Regina – Se eu quiser falar com Deus, música de Gilberto Gil

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